O ministro Raul Jungmann vê a criação do Ministério da Segurança Pública como um fato irreversível para o governo que venha a ser eleito em outubro, e por isso pretende dedicar-se a defender mudanças estruturais que a seu ver são necessárias para que a questão, que se tornou incontornável para o Estado brasileiro, seja enfrentada devidamente.
Ele lembra que os três centros de custo do Estado são justamente Saúde, Educação e Segurança, e apenas os dois primeiros, pelo menos, têm um piso constitucional de financiamento, enquanto a segurança, quando vem a crise financeira do Estado, não tendo essa proteção e nem mesmo uma definição de tarefas a nível nacional, acaba sendo afetada irremediavelmente.
Na sua análise, com a universalização pelo menos formal dos direitos do cidadão, “ou você tem segurança para todos ou não tem segurança”. Ele vê a necessidade de organizar um aparato público que possa de fato prover segurança a todos.
Quando o constituinte de 1988 separou a segurança nacional da segurança pública, alterando a visão que estava implantada pelo regime militar anterior, jogou nas costas dos Estados a responsabilidade pela segurança pública, e nem mesmo os municípios, as capitais, os grandes centros urbanos, estão abrangidos nessa cobertura, quando é nelas que o crime se instala e se desenvolve.
Não há na Constituição um papel das cidades na política de segurança, e é lá que estão os centros de crack, as ruas mal iluminadas que propiciam o crime, e outras situações comunitárias que exigem proteção e podem ajudar no combate ao crime. A União ficou com responsabilidades residuais, um conceito completamente ultrapassado, pois o crime se nacionalizou e transnacionalizou.
A globalização não atingiu apenas as finanças, impactou também o crime organizado. E o que pode fazer o governador? É fundamental a redistribuição das responsabilidades, isto é, a redistribuição das fontes dos recursos. Na visão do ministro Jungmann, a criação do Ministério da Segurança Pública é uma prova da falência do sistema de segurança que está previsto na constituição de 88.
Numa distorção monumental, a Constituição não tem previsão nenhuma de que a União assumiria esse papel. Outra distorção: criamos um sistema penal para a segurança pública cujo produto final, o apenado, tem que passar pelo sistema policial, pelo sistema do ministério público, pelo sistema judiciário e chegar ao carcerário. Se não forem cumpridas essas quatro etapas, não há a reparação do crime.
Só que esses sistemas não se comunicam, têm velocidades absolutamente diversas, e o esquema só funciona se os quatro sistemas funcionarem, daí termos milhares de pessoas nas prisões sem nem serem julgados. O sistema carcerário cresceu 171% em 16 anos, a partir de 2000, mas o seu déficit subiu três vezes.
Estamos diante de um paradoxo perverso, diz Jungmann: a restrição da liberdade é a punição mais rigorosa que o Estado pode dar, e é justamente nesse espaço que o crime domina. Então, analisa o ministro, você tem uma sociedade “indefesa, apavorada, encurralada, que é presa fácil de discurso demagógico, autoritário e antidemocrático. Nós estamos lutando não só contra a barbárie, mas também pela democracia”.
Na visão de Raul Jungmann, esse ministério tem a função de colher e plantar para o futuro: sistema integrado de segurança, a universalização do direito à segurança. Para isso será preciso o apoio da sociedade contra “as forças arcaicas que não querem a mudança do status quo, porque perdem a capacidade de influir nas decisões, de proteger seus amigos e suas corporações”. Esse será o papel do economista Arminio Fraga, que, como colaborador voluntário probono, vai organizar ações da sociedade em favor da segurança, com estímulos à atuação policial correta e apoio às famílias de policiais, ou ações a exemplo de algumas iniciativas que já existem, como o disque denúncia do Rio, que é financiado por empresários.