Era só o que faltava para completar a farsa histórica que está se repetindo este ano na eleição presidencial, depois da tragédia de 1989, confirmando o que dizia Marx. O hoje senador Fernando Collor, responsável pela primeira vez como tragédia com seu impeachment, acaba de anunciar que será candidato à presidência da República este ano.
Caminhamos para uma eleição tão radicalizada quanto a de 1989, a primeira direta após o regime militar. A esquerda naquela ocasião tinha dois representantes, Lula e Brizola, que disputaram voto a voto a ida para o segundo turno contra o representante da centro-direita, Collor de Mello. Populismo de direita contra populismo de esquerda.
Lula derrotou Brizola por 0,67%, foi para o segundo turno contra Collor, e perdeu a eleição. Hoje, passados 29 anos, os populistas Lula e Collor estão do mesmo lado do espectro político e não poderão, portanto, repetir a radical disputa de 1989, pois os dois estão envolvidos em denúncias de corrupção.
Hoje, tão radical quanto em 1989, Lula pretende adotar a política que o fez reconhecer-se despreparado para a presidência naquela época. O representante do pedetismo será Ciro Gomes, que não pretende fazer aliança com Lula ou o PT no primeiro turno, assim como Brizola não reconheceu Lula como o representante da esquerda naquele ano e morreu afirmando que houve trapaça para que Lula, e não ele, fosse para o segundo turno, pois o petista seria um adversário mais fácil de ser batido por Collor.
O representante da extrema direita hoje é Jair Bolsonaro, muito menos preparado do que aquele Collor de Mello que surgiu em 1989. Pela radicalização que domina o cenário, político como o governador Geraldo Alckmin, com seu espírito moderado, está com dificuldades para se encaixar na preferência dos eleitores, que buscam novidades e rejeitam a política tradicional.
A vantagem que Alckmin tem sobre seus potenciais concorrentes no centro político, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ministro da Fazenda Henrique Meirelles, é que a todos falta carisma. Mas, numa disputa radicalizada, essa não chega a ser uma vantagem competitiva contra os adversários de outras tendências.
Em 1989, figuras como Ulysses Guimarães, Aureliano Chaves, Mario Covas, foram abandonadas pelo eleitorado. Hoje, ao contrário daquela época, a eleição é casada, isto é, estarão também em campanha candidatos à Câmara, 2/3 do Senado e 27 governadores. As máquinas partidárias terão um peso eleitoral preponderante, pelo menos em teoria, e por isso a disputa para ser o candidato de centro que tenha o apoio da base parlamentar do governo, mesmo que este seja impopular, como era o de Sarney em 1989.
O presidente Temer ainda alimenta a ilusória ambição de ser um player importante na sua sucessão ou, no limite do delírio, ser ele mesmo o candidato do centrão político. Nada indica que seja possível esse sonho, que parece um pesadelo à maioria, se concretizar.
E para dar um toque especial à repetição, a candidatura de Luciano Huck volta e meia é especulada, assim como em 1989 Silvio Santos surgiu do nada à última hora. Mas para que a farsa fique mais complexa, quem traça uma estratégia semelhante à de Silvio Santos é Lula, que pode aparecer na urna sem ser candidato.
Em 1989, Silvio Santos acabou sendo impugnado pelo TSE porque o partido que o acolheu estava irregular. Mas chegou a fazer campanha na televisão mostrando aos eleitores que votando no 26, que estava representado na cédula com o nome de Correa (naquele tempo ainda de papel) estariam votando em Silvio Santos.
A legislação mudou, e já não é possível acontecer essa substituição depois que o nome estiver na urna eletrônica. Nesse caso, os votos dados a Lula serão anulados se, ao final dos recursos, a condenação estiver confirmada. Mas se Lula decidir tomar uma atitude de respeito democrático e indicar um substituto, ele poderá dizer que votando em Jacques Wagner ou outro qualquer, estarão votando nele.