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Ambições liberadas

 

A virtual inelegibilidade do ex-presidente Lula, que depende apenas de tempo, não de interpretações jurídicas sobre a Lei da Ficha Limpa, que é inequívoca, está levando a que as forças partidárias comecem a remontar suas alianças políticas para a eleição presidencial de 2018, fazendo com que saiam do armário ambições até agora reservadas, como candidaturas de partidos historicamente caudatários do PT, ou como a de Marina Silva da Rede, que está perdendo a cerimônia em relação ao partido que ajudou a fundar e a suas lideranças, inclusive Lula, a quem sempre preservou.

Até mesmo o PSDB ensaia passos mais ousados, como o seu presidente e candidato oficial à presidência da República, governador Geraldo Alckmin, sugerir que o partido pode deixar de ter um candidato próprio ao governo do Estado para apoiar seu vice Marcio França, do PSB, em troca do apoio nacional dos socialistas à sua candidatura.

O PSB, que já apoiara o candidato do PSDB na última eleição presidencial, voltaria a estar longe do PT de Lula, especialmente diante do impasse jurídico existente. Se não der certo essa manobra, que é de difícil execução pois os tucanos governam São Paulo há 20 anos e não querem abrir mão disso, o PSB pode apoiar o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa, sem pensar em uma aliança que já foi histórica.

O mesmo acontece com o PDT, que já tem seu candidato próprio, o ex-governador e ministro Ciro Gomes. PCdoB já lançou Manuela DAvila e o PSOL pode lançar Boulos, o líder do MTST, que já começou a atacar Marina Silva por sua postura de apoiar a inelegibilidade de Lula caso seja confirmado o veredicto do TRF-4 após os embargos nos tribunais superiores.

Ela ontem rebateu, com ênfase não habitual, as críticas de que não teria posições políticas claras. “Esta é uma percepção autoritária. Os partidos tradicionais de direita e de esquerda não defendem a Lava Jato, e eu defendo a Lava Jato. Defendem o foro privilegiado, e eu sou contra. Tentaram aprovar a anistia para o caixa dois, e eu fui contra. Isso é ter uma posição diferente ou não ter posição? – contestou.

(...) “PT e PSDB, que nunca estão unidos, se uniram nesse propósito. Tanto que juntos apresentaram a ‘lei do abuso da autoridade’, para tentar intimidar a Justiça, o Ministério Público e a Polícia Federal, tentaram apresentar o projeto de lei para anistiar o caixa dois, se mantêm firmes na defesa do foro privilegiado, o que é uma afronta ao povo brasileiro.”.

 Para não deixar dúvidas no ar, Marina colocou no mesmo patamar PT e PSDB, classificando com exagero os sociais-democratas de “direita”, e defendeu que, após o julgamento de Lula “é fundamental que tenham andamento os demais processos”, citando especificamente o do senador Aécio Neves”, a quem apoiou na eleição anterior.

Marina, no entanto, continua mantendo proximidade com economistas ligados historicamente ao PSDB do Plano Real, mas que se desiludiram ultimamente com o partido. É o caso de André Lara Resende, que já esteve mais próximo da candidata da Rede e voltou a ser contatado agora, por insistência de Marina, que teve um encontro com ele na semana passada em São Paulo.

Outros economistas tucanos apoiam candidatos fora do partido, como Arminio Fraga, que segue conversando com o apresentador Luciano Huck, que pode voltar à disputa pelo PPS, mas Pérsio Arida será o coordenador da candidatura de Geraldo Alckmin.

A possibilidade de que Marina Silva aumente sua força eleitoral com a saída de Lula faz com que ela se torne alvo de petistas e outros grupos de esquerda.  O pré-candidato do PSOL à Presidência da República, Guilherme Boulos postou recentemente em seu perfil no Facebook um print de Marina Silva em que ela diz apoiar o trabalho da justiça e as investigações da Operação Lava-Jato, insinuando que estaria ao lado dos adversários da esquerda.

Apoiadores de Marina responderam, também pelo Facebook, lembrando características da candidata que serão destacadas na campanha: mulher, negra, índia, nortista e filha de seringueiros. Que não responde por nenhum processo na Justiça, que não fez fortuna na política e cujos familiares permanecem tendo uma vida simples e dedicada ao trabalho honesto.

Com apoios à esquerda, de ex-companheiros que, como ela, se desiludiram com o PT, e nos tucanos, também em crise de identidade, Marina defende que a campanha seja feita à base de ideias e programas. É uma boa proposta, mas resta saber qual será o seu programa. Temas delicados, como a reforma da Previdência, terão que ser debatidos, e certamente não são populares.

O Globo, 28/01/2018