Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Quando a fama é um vírus

Quando a fama é um vírus

 

Muitos podem dizer que é inveja de minha parte — tudo bem — mas não entendo o que anda acontecendo com certos fenômenos na internet, como o desses youtubers cujos vídeos são vistos não por milhares, mas por milhões de pessoas. Na lista dos dez mais populares, todos superam os quatro milhões de acessos e alguns transcenderam do mundo virtual para o real. Kéfera Buchmann, de 24 anos, talvez seja a mais conhecida, pois, além de ter cerca de 11 milhões de inscritos no seu canal “5minutos”, aventurou-se no mercado editorial e seus três ou quatro livros foram campeões de venda: “Muito mais que cinco minutos”, “Tá gravando. E agora?”, “Querido dane-se” (assim mesmo, sem vírgula). Sua carreira fora da internet inclui ainda shows por todo o Brasil, um CD e o cinema no filme “Kéfera é fada”.

Mas o campeão desse mundo em que qualidade é medida pela quantidade, em que pessoas, coisas e acontecimentos “viralizam”, isto é, se propagam como vírus, por contágio, é um humorista piauiense de 22 anos, cujo nome de 11 letras e apenas três vogais — Whindersson — é tão improvável quanto o que já conquistou: 24 milhões de seguidores, um feito que equivale a quase quatro vezes a população do município do Rio e que Jesus, mesmo Ele, só conseguiu depois de morto.

Confesso que só conheci o personagem campeão através de matéria de capa da revista “Trip”, onde ele aparece sem camisa, tatuado, com o umbigo de fora, em foto de Luiz Maximiano e texto de Milly Lacombe, que mostram como vive “um dos maiores youtubers do mundo”, dono de uma empresa com 30 funcionários e um jatinho de nove lugares.

Qual seria o segredo desse sucesso, ou melhor, dessa fama? Não sei. Como não frequento o território e para não ser acusado de preconceito elitista, me baseio no texto, que adianta algumas explicações, entre as quais estão a “simplicidade de seu discurso e a trivialidade da imagem que passa”. Apresentando-se sempre “sem camisa e sem frescura”, Whindersson não tem vergonha de exibir “um corpo absolutamente comum” e, pelo que li, ideias absolutamente irrelevantes.

Num país onde em áreas como as da ciência e da cultura há tanta gente fazendo sucesso sem alcançar fama, o segredo dos famosos youtubers talvez esteja no fato de que eles têm fama demais e razões para o êxito de menos.

O argumento mais convincente exposto na reportagem é que eles tiveram a “sorte de nascer numa época e numa sociedade que enaltecem coisas como vídeos banais de humor no YouTube”.

Faz sentido.

O Globo, 27/12/2017