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Papai Noel monocrático

 

Para leigos como eu, soa meio esquisita a frequência com que o ministro Gilmar Mendes desautoriza juízes, revogando decisões, distribuindo habeas corpus e mandando soltar presos — não os comuns, bem entendido, apenas os especiais. Na verdade, não só eu estranhei. Nos últimos três dias, 17 cartas de leitores protestaram contra os atos polêmicos do presidente do Tribunal Superior Eleitoral e membro do Supremo Tribunal Federal. Ancelmo Gois elegeu como frase do ano “Gilmar solta” e, para o procurador da Lava-Jato Carlos Fernando dos Santos Lima, ele simplesmente “encarnou papai Noel”. Um popular gritou outro dia para quem era conduzido num camburão: “Chama o Gilmar!”. Pronto, caiu na boca do povo, pelo que faz e também pelo que diz usando até comparações com “rabo de cachorro”. Além de soltar presos, Gilmar solta a língua e manda às favas a liturgia do cargo.

Às vésperas do Natal, seu saco de bondades seletivas proibiu as conduções coercitivas de investigados e permitiu que voltassem para casa Adriana Ancelmo, dois empresários da área de saúde, Garotinho, sem tornozeleira, e o presidente do PR. No caso da ex-primeira dama, a alegação foi que ela e o marido, Sérgio Cabral, também preso, não podem deixar sozinhos os dois filhos adolescentes, como se fosse o único casal nessa situação entre os mais de seis mil encarcerados do país.

Gilmar ficou famoso por uma lista de beneficiados que inclui Abdelmassih, o de 278 anos de condenação por estupro de 48 pacientes, Eike Batista, Naji Nahas, Daniel Dantas e, mais recentemente, o poderoso chefão dos ônibus do Rio, um réu muito especial não só porque foi solto três vezes seguidas pelo ministro, mas por ser pai da moça de quem foi padrinho de casamento, além de tio do noivo.

Aos que esperavam que ele se considerasse impedido diante dessas relações que poderiam comprometer a isenção do julgamento, ele respondeu entre irônico e cínico: “O casamento só durou seis meses”.

De onde vem todo esse poder de Gilmar Mendes? Dizem que é do temor, até físico, que inspira nos colegas, o que é desmentido pelo destemor com que o enfrenta um confrade, o ministro Luís Roberto Barroso. Ao mesmo tempo em que desperta revolta em uns, ele é a esperança de outros, como Cabral.

Na saída da cadeia, o ex-governador Garotinho e simpatizantes oraram agradecendo ao Senhor a liberdade sem tornozeleira. Clarissa, a filha, louvou: “Deus é fiel”. Deveria estender o gesto de gratidão e acrescentar: “Gilmar também”. Afinal, além de fiel, ele é monocrático — aquele que prefere decidir sozinho. Como o Senhor.

O Globo, 23/12/2017