Ao receber o presidente argentino Mauricio Macri no Itamaraty, Michel Temer apontou para ele e comemorou, chamando a atenção dos jornalistas: “Ele aprovou a Previdência lá na Argentina, viu? Serve de exemplo”. Não apenas Macri, como Emanuel Macron na França, estão às voltas com reformas estruturantes como as que o governo brasileiro está levando adiante por aqui.
A reforma trabalhista aprovada na França e a da Previdência, na Argentina, provocaram protestos nas ruas, mas os dois presidentes conseguiram maioria nos seus respectivos Congressos em eleições recentes e resistiram às pressões.
No caso argentino, as reações são geradas pelas mesmas forças que estão unidas aqui para combater a reforma da Previdência: oposicionismo derrotado politicamente e corporativismo. Como a questão não chegou às ruas, as ações de grupelhos ultraesquerdistas que apelam para a violência ainda são esporádicas, como aconteceu pontualmente durante a tramitação da reforma trabalhista.
O economista Fábio Giambiagi, do BNDES, um dos maiores especialistas em questões previdenciárias no país e filho de argentinos, analisou os acontecimentos na Argentina, que chamou de “caso impressionante”, e as lições para as batalhas que prevê virão por aqui. Para ele, “a democracia precisa ainda encontrar uma fórmula eficaz de lidar com os grupos violentos. O que houve na Argentina foi uma aliança entre corporações, o kirchnerismo e a ultraesquerda revolucionária para num primeiro momento barrar as reformas e num segundo derrubar o Macri”.
Giambiagi ressalta que o desafio não apenas reside em encontrar uma forma de anular os violentos, como também de impedir que eles se manifestem no plenário. No dia da votação na Argentina, houve cenas de socos envolvendo o próprio Presidente da Câmara de Deputados, e insultos de todo tipo junto à Mesa Diretora.
Fica a lição, ressalta o economista, de que a comunicação é fundamental para no mínimo ganhar a respeitabilidade da opinião pública, mesmo que a causa seja impopular. O Governo Macri cometeu a esse respeito erros crassos, comenta Giambiagi, demorou a agir nesse campo e deixou que se instalasse uma narrativa contrária em parte da opinião pública.
Também aqui o governo Temer custou a encontrar o tom certo para esclarecer a população. Agora parece ter corrigido o rumo e está distribuindo uma cartilha com explicações dos principais pontos que são controvertidos, além de uma campanha publicitária que centrou a mensagem na idéia de que a reforma é contra privilégios, justamente das corporações de servidores públicos que têm força política para pressionar o Congresso.
O mote de fim dos privilégios afinal começa a mostrar a realidade para a maioria que não faz parte dessa distribuição injusta de renda – a média salarial dos benefícios pagos a 30 milhões de trabalhadores é de R$ 1.191,00; no serviço público, dos servidores do Executivo é de R$ 8.000,00; no Judiciário, de R$ 16.000,00 e no Legislativo, de R$ 24.800,00.
Na cartilha que está distribuindo, o governo mostra que o Brasil já gasta com previdência 13% do PIB e só tem 13% de idosos na sua população. O Japão, por exemplo, gasta os mesmos 13% do PIB, mas sua população de idosos equivale a 48% da população total. O Brasil está envelhecendo muito rápido: em 2050, um em cada três brasileiros serão idosos. Cada vez há mais aposentadorias a pagar e menos contribuições a receber, ressalta o governo.
A cartilha governamental chama a atenção para o fato de que o sistema previdenciário de qualquer país precisa de ajustes contínuos ao longo do tempo, e dá exemplos: França reformou sua previdência em 2010 (aumento da idade mínima e exigência de idade mínima para aposentadoria integral) e em 2013 (aumento do tempo de contribuição mínimo).
A Alemanha fez três reformas, em 1992 (igualou idade mínima para homens e mulheres), 2007 (aumentou gradualmente a idade mínima) e 2014 (aposentadoria aos 63 anos para os que contribuíram pelo menos 45 anos). A Grécia, por sua vez, tem se esforçado desde 2010 para reformar suas regras previdenciárias, tendo feito modificações adicionais em 2012 e em 2016, que contemplaram aumento da idade.
Outro ponto que a cartilha rebate é a alegação de que a reforma atingirá os mais desprotegidos. É mentira, diz a cartilha: Aposentadorias no valor de um salário mínimo: a reforma não mexe. Aposentadorias dos trabalhadores rurais: a reforma não mexe. Benefício de Prestação Continuada, para idosos e deficientes de baixa renda: a reforma não mexe. Por outro lado, as aposentadorias do setor público, que podem superar os R$ 20 mil, vão passar a ficar limitadas ao teto das aposentadorias do setor privado, que é de R$ 5,5 mil.
A reforma da Previdência é incontornável e inadiável. Se não for aprovada ainda neste governo, por falta de apoio político, o próximo terá que assumir essa tarefa.