O mês de novembro ocupa o lugar de protagonista nas celebrações em torno da memória do afrodescendente no Brasil, em razão do Dia da Consciência Negra, comemorado no dia 20 (quando teria morrido o quilombola Zumbi dos Palmares). É uma oportunidade em que pensadores e intelectuais de todo o Brasil preparam uma agenda especial para que se reflita sobre o tema. Explorar a multiplicidade de pensamentos de um povo muitas vezes ignorado é essencial para fixar e eternizar sua memória.
A Flinksampa, evento idealizado pela Faculdade Zumbi dos Palmares e pela ONG Afrobrás, ganha, a cada edição, mais força e visibilidade para colocar em prática aquilo que motivou a sua criação: ampliar o importante debate sobre a cultura negra e sua luta para conquistar os direitos esquecidos ao longo de uma história marcada por injustiças e subordinação econômica.
Há, no Brasil, um número razoável de poetas afrodescendentes, mas suas obras não são ainda tão divulgadas, não por conta da qualidade, mas pelo desinteresse do público leitor (talvez por puro preconceito) e, também, do mercado editorial.
O orgulho das raízes africanas, a apropriação e difusão dessa riquíssima cultura ganhou novos rumos a partir da primeira Flinksampa, em 2013. Descobriu novos talentos, dando oportunidade nunca vista aos escritores negros, aos que escrevem sobre o negro e aos jovens talentos, diversificando também com outras atrações que promovem a cultura e o entretenimento. No primeiro encontro (“I Afroétnica Flink Sampa”), há quatro anos, o reverendo Jesse Jackson emocionou todos os presentes, ao discursar sobre a segregação racial, afirmando: “Pior que a escravidão, é a internacionalização dela. Nós não nascemos escravos, fomos escravizados. O Brasil é um lugar que se compartilha diversas etnias. É uma família que recebeu a escravidão”, destacou em seu pronunciamento que tive a honra de presenciar.
Dando continuidade ao sucesso, a 5ª. edição da Flinksampa, com a escritora Guiomar de Grammont novamente como curadora, o escritor homenageado, este ano, foi Paulo Lins, autor do livro “Cidade de Deus”, romance adaptado para o cinema, com quatro indicações para o Oscar, em 2004. Poeta, romancista, roteirista de cinema e televisão e professor licenciado em Língua Portuguesa e Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Lins escreveu ainda “Sob o Sol”, livro de Poemas, em 1986; “Esses Poetas”, livro de poemas, em 1990 e “Desde que o Samba é Samba”, romance, em 2012.
Os discursos enalteceram a importância e a força da cultura negra, lembrando os avanços dos últimos tempos. “Há, no entanto, muito ainda para se evoluir”, lembrou o reitor José Vicente.
A profundidade de uma consciência negra para uma nação mestiça é fundamental e a expressão artística foi o meio que inúmeros poetas encontraram para combater e libertar seu povo do preconceito e integrá-lo à sociedade. Não posso deixar de citar o nosso Cruz e Sousa (1861-1898), o “Cisne Negro”, como era conhecido no seu tempo, considerado o maior poeta negro do país. Um dos precursores do Simbolismo no Brasil, Cruz e Sousa vai além deste título, demonstrando em sua poesia uma perfeita fusão de sensações, sentimentos e consciência social a partir de sua própria realidade. O desejo manifestado em seu texto se converteu num instrumento de contestação da segregação e da situação socioeconômica que viveu, triste herança do povo negro. Sua poesia (em verso e prosa) é a metáfora de um grito atormentado de alguém que busca no sofrimento a rota de fuga de uma verdade artística pura e absoluta.