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O meio-termo sem vez

 

A julgar pelo último Datafolha, se as eleições fossem hoje, o Brasil teria que decidir entre dois extremos — um à esquerda, com Lula, e outro à direita, com Bolsonaro. Eles disputariam o segundo turno da corrida presidencial de 2018, com vantagem para o petista. Não haveria lugar para candidatos de centro. Aliás, não seria preciso pesquisa de instituto para constatar a polarização que domina a nossa política; bastaria tomar conhecimento do que se passa nas redes sociais, onde a doutrina do meio-termo de Aristóteles, recomendada por ele como ideal para a vida em sociedade, não tem vez nem voz. Ao contrário, está mais para a “era dos extremos”, de Eric Hobsbawm.

Apenas alguns exemplos do que dizem internautas sobre a base ética do sistema aristotélico: “Odeio o meio-termo”. “Me ame ou me odeie. Não me venha com meio-termo”. “Insista ou desista.” “O amor e o ódio andam lado a lado. Ou você ama ou você odeia. Não existe meio-termo quando se trata de sentimento”.

De acordo com o antigo filósofo grego, é no centro que reside a virtude, representada pelo equilíbrio, a equidistância e a sensatez. Nada a ver, bem entendido, com a posição encarnada por um PSDB sem rumo e líderes efetivos, dividido por disputas internas, sem saber se sai ou se fica, vivendo de hesitações, incertezas, dúvidas e inação. Perdida a capacidade de formulação, de pensar e influenciar o país, o partido não conseguiu contribuir para neutralizar a marcha em direção aos extremos.

O problema é que, se confirmadas as previsões e mantido esse clima de radicalismo, o país continuará dividido depois das eleições: nós contra eles e vice-versa, e os dois lados reivindicando para si a posse exclusiva da razão. Lendo o resultado de um monitoramento de vários tipos de manifestações de intolerância nas redes sociais, chega-se à assustadora conclusão de que elas são majoritárias.

Mas a internet, embora seja o território preferencial desse baixo nível de debates, não é o único. O próprio Congresso já foi palco, por exemplo, da homenagem a um torturador da ditadura militar feita por um deputado, o mesmo que declarou também da tribuna que não estupraria uma colega porque ela não merecia por ser “muito feia”. Ele foi condenado a pagar uma indenização de R$ 10 mil à vítima, mostrando como custa barato uma ofensa como essa desde que praticada por um parlamentar que, apesar de tudo, ainda é o preferido de muita gente.

Convenhamos que não é mesmo terra para Aristóteles.

O Globo, 06/12/2017