Billie Holiday já cantou muito lá em casa. Ella Fitzgerald também, mas menos. As duas em LPs, no século passado. Não me atrevo a enumerar os craques da MPB e do samba que tocaram aqui, porque podem achar que sou metido a besta. A campeã de audiência, no entanto, quase sempre foi Nana Caymmi.
Conheci a Nana em 1970, no apartamento de seus pais, Stella e Dorival Caymmi, na Rua Bulhões de Carvalho. Adolescente, eu ia sempre lá para visitar meu futuro irmão Danilo Caymmi, muitas vezes em companhia de Paulo Jobim. Acabamos por formar, com nosso parceiro Piry Reis, uma banda chamada Poder Assolador da Lapa, ou PAL, nome cuja origem não posso explicar aqui, por imprópria para as páginas deste almanaque dominical.
Foi lá que assistimos ao jogo de estreia do Brasil na Copa de 1970, contra a Tchecoslováquia, sentados na cama de Caymmi, que ficava diante do único aparelho de TV do apartamento. Torcíamos contra a seleção brasileira, que, aos nossos olhos, representava futebolisticamente a ditadura militar. Só que, assim que Jairzinho fez o terceiro gol, pulamos tanto para comemorar que quebramos a cama de Stella e Dorival Caymmi.
Mas volto à Nana, meu assunto principal. Fiquei fascinado por sua voz desde que a ouvi pela primeira vez. Tornei-me amigo dela, e tive a regalia de escutá-la cantando em sua casa, na de Moraes Moreira, no Chico’s Bar, no Canecão, dezenas de vezes. A penúltima foi há uns 12 anos, num ônibus que voltava de um camarote de cervejaria, dentro do qual ela fez um show para a alegria de todos nós, passageiros.
Foi ela quem me apresentou a João Donato, em 1974. Chegamos a fazer um samba em homenagem a ela, chamado “Nana das Águas”. E ela gravou uma canção nossa, mas a censura vetou a letra, porque tudo que eu fazia era considerado subversivo. Talvez fosse.
Também foi ela quem me telefonou dizendo que estava ao lado de Astor Piazzolla, seu amigo recémchegado de Buenos Aires. E ela foi o Cupido de nossa parceria.
Isto já seria motivo de gratidão. Mas o buraco do encantamento por Nana é mais em cima. Sempre ouvi compulsivamente todos os seus discos e compareci a quase todos os seus shows. Mesmo que, certa vez, tenha chegado atrasado à sua estreia na boate People, não por culpa minha, e ela tenha me espinafrado no microfone, ao vivo e em cores. Com palavras tão cabeludas que me fazem corar até hoje.
Nos momentos de tristeza, a voz de Nana sempre me amparou, me assegurou que a melancolia faz parte do amor. Cantando boleros clássicos, ou Dolores Duran, ou Antonio Carlos Jobim, Nana sempre foi o cais em que ancorei as minhas mágoas — se me perdoam o lirismo imitado de Jair Amorim e Evaldo Gouveia.
Por isso faço questão de declarar à Nana a minha estima, o meu amor e a minha admiração.