Outro dia, meu filho de 6 anos chegou do colégio cantando e fazendo a coreografia de uma das canções mais populares da temporada, que diz: “Cheguei/ Cheguei chegando, bagunçando a zorra toda/ E que se dane, eu quero mais é que se exploda.”
Fiquei sem saber se manifestava minha falsa revolta pedagógica contra certas ambiguidades da letra, ou se revelava a meu filho que sou fã de Ludmilla. Na dúvida, preferi a coluna do meio.
Aliás, confesso que sempre tive o gosto mais afinado com a música popular, embora mantivesse uma reserva ecológica dedicada aos eruditos, desde Bach até as vanguardas dos anos 70. Depois, não tive mais tempo nem paciência para acompanhar os minimalismos e girassóis das novas gerações.
Lembro que, quando era alguns anos mais velho do que meu filho mais novo, comprei meu primeiro disco: era um 78 rotações de Jorge Ben Jor, que naquele tempo ainda se chamava Jorge Ben. De um lado, “Mas que nada”; do outro, “Por causa de você”: “Por causa de você bate em meu peito/ Baixinho, quase calado/Coração apaixonado por você” — que ele cantava vochê, com charme total.
A música de Jorge Ben fez tanto sucesso, na época, quanto a de Ludmilla hoje. E provocou restrições semelhantes. O cronista Sérgio Porto, que gostava de jazz, escreveu no jornal que, segundo informações de sua gravadora, Jorge Ben havia pesquisado o folclore africano. E, com ironia, Sérgio arrematou: “Pena que tenha pesquisado uma música só.”
Creio que Jorge jamais precisou pesquisar folclore algum, a não ser guardar o que escutou nos bares, igrejas e terreiros da Zona Norte. Mas o fato é que Jorge foi um dos criadores do samba-funk, batida tipicamente carioca, que até hoje reconhecemos em músicas de Fernanda Abreu, Ivo Meirelles, Seu Jorge e outros cariocas da gema. Uma batida que se tornou planetária.
Você duvida? Pois, certa vez, fui lançar um livro de poemas em Lisboa, na Casa de Fernando Pessoa — que, infelizmente, não morava mais lá. Era o fim da temporada lisboeta, e fui receber meu cachezinho. Ao sairmos do banco, decidimos visitar a igreja e o Convento do Carmo, cujo teto fora derrubado, em 1755, pelo famoso Terramoto — é assim que eles dizem por lá .
Quando nos aproximamos do altar-mor da igreja sem teto, ouvimos um cântico de vozes que pareciam vir do céu. Encantados, começamos a decifrar a metafísica das palavras: “Ô, ô, ô, ô, ô, Mariá, raiô: obá, obá, obá.” Era nada mais, nada menos do que “Mas que nada”, do Jorge Ben, transfigurada em hino religioso.
Pode ser que o funk da Ludmilla siga o exemplo do samba “Coisinha do Pai”, celebrizado na voz de Beth Carvalho e enviado a Marte pela Nasa, para dialogar com os ETs. Se meu filho pequeno perguntar, vou ter que dizer a verdade: se bobear, a Ludmilla vai estourar em Vênus.