Se fosse um médico, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, teria feito um diagnóstico do Rio que, em vez de tratar a doença, indignou o doente. Talvez por considerá-lo incurável, nem chegou a receitar remédio. Alguns meses antes, vejam a diferença, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, diante do mesmo quadro, chamou a atenção para a gravidade da situação, mas sem o estilo hiperbólico e espalhafatoso de seu colega de Ministério que tantos protestos tem causado, como o do governador, que foi ao STF solicitar que ele seja interpelado por suas declarações sem provas. Ou como o da viúva de um coronel que quer processá-lo por ter levantado suspeitas de que a morte do marido não foi assalto, mas uma execução, um acerto de contas.
No entanto, em que pesem seus desacertos, não se pode cometer contra o “laudo” de Torquato o mesmo erro que ele cometeu nas denúncias. Suas críticas ao comando da segurança pública do estado não devem ser de todo descartadas, já que são notórios os desvios de conduta da “banda podre” da polícia. Só este ano, três casos vieram à tona: em junho, 96 policiais foram presos em São Gonçalo acusados de receber de traficantes R$ 1 milhão por mês. Na mesma época, uma líder comunitária de Cordovil foi morta logo após denunciar que bandidos subornavam PMs. Mais recentemente, quatro policiais da UPP do Caju, inclusive o comandante, foram presos em flagrante por desvio de armas e fraude processual.
Isso, porém, não dá direito ao ministro da Justiça de afirmar, sem nomes e provas, que comandantes de batalhões da PM “são sócios do crime organizado”. E nem de denunciar vagamente o envolvimento de autoridades com traficantes na Rocinha. “Se estou errado que me provem”, desafiou. Quem sou eu para contestar um jurista como ele, mas sempre soube que o ônus da prova cabe a quem acusa. Ou não?
Mais discreto no tom e mais criterioso, Jungmann não se limitou a expor suas críticas, parecidas com a de Torquato. Além de constatar que “o crime conseguiu se infiltrar nas diversas esferas governamentais do Rio”, sua análise continha também uma receita de tratamento: a criação de uma força-tarefa de combate ao crime no Rio, uma providência que teve o apoio da procuradora-geral, Raquel Dodge, que aceitou a sugestão e criou o grupo.
Essa, sim, muito mais do que qualquer surto verborrágico, é uma medida capaz de ajudar no processo de “assepsia de parte do poder público do estado que foi capturado pela criminalidade”, como propôs o ministro da Defesa, tendo o cuidado de falar em “parte”, não em todo o poder público.