Dois fatos desta semana mostram como o governo de Michel Temer está paralisado, impossibilitado de assumir posições mínimas de coordenação política devido aos imensos passivos que assumiu para se livrar das acusações da Procuradoria-Geral da República.
São passivos na sua esfera direta de atuação, no ministério que ele mesmo montou, e não no âmbito do Legislativo, pois esses já são impagáveis, deixando o governo refém de um centrão político ao qual se integrou melancolicamente o PSDB, parte fundamental de um desses episódios.
A ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, deveria ter sido demitida imediatamente, quanto mais não fosse por falta de discernimento, ao comparar seu trabalho como ministra ao trabalho escravo. Cometeu o mesmo erro do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, mas em dimensões políticas distintas.
Mendes tentou ser agressivamente irônico ao dizer que seu trabalho era exaustivo, mas não escravo. O que ele queria naquele momento era desacreditar as críticas que se faziam à nova legislação sobre trabalho escravo, que era tão leniente com essa prática abjeta que acabou tendo que ser revista.
Gilmar Mendes revelou em sua ironia extemporânea uma insensibilidade política espantosa para a maior parte da população não comprometida com essa faceta obscura do agronegócio. Já a ministra tucana, não. Ela queria mesmo acumular o salário de desembargadora aposentada com a de ministro, alegando que tinha necessidade de ganhar mais de R$ 60 mil por mês para sobreviver condignamente. Além de carro com motorista e outras mordomias ministeriais.
É acintoso que num país desigual como o nosso um que um governante, ainda por cima desembargadora, queira se beneficiar financeiramente utilizando como justificativa uma situação de trabalhadores em situação de miséria explorados desumanamente.
Assim agindo, demonstra também uma insensibilidade política que deveria inviabiliza-la para o exercício do cargo de ministra, mas o governo preferiu não agir diretamente, por impossibilidade de interferir na representação do PSDB em seu ministério.
E o PSDB, que agora está dividido não apenas por suas escolhas eleitorais, mas por questões ideológicas que o aproximam cada vez mais ao PMDB fisiológico, do qual se afastou em tempos idos, não teve condições de intervir no caso, retirando da ministra, como deveria, a representatividade partidária.
O outro caso emblemático foi a declaração do ministro da Justiça Torquato Jardim sobre o conluio de políticos e policiais do Rio de Janeiro com o crime organizado. É certo que ele falou com base em informações de serviços de inteligência da Polícia Federal e da Abin, mas ficou claro também que não havia ainda condições de revelar as investigações que estão em curso.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que num primeiro momento reagiu como as demais lideranças políticas do Estado criticando as declarações, como se elas refletissem apenas ilações e deduções, como disse o governador Pezão, depois colocou as coisas em seus devidos lugares, criticando a antecipação das investigações sem que exista no momento condição de agir em função delas.
Com isso, o ministro Torquato Jardim pode ter ajudado aos criminosos, alertando-os de que estão sob investigação, alega Maia. Existe, no entanto, a hipótese, bastante provável, de que o ministro tenha assim agido devido a manobras políticas justamente para abafar as investigações.
Além dos diversos fatos, ocorridos ano após ano, com policiais presos por trabalharem para o crime organizado, e a prisão de batalhões inteiros que estavam vendidos aos traficantes, há a recente entrevista do bandido Nem, o chefão do tráfico da Rocinha, que disse com todas as letras que no eleição para governador foi procurado por emissários do então candidato a governador Sérgio Cabral em busca de seu apoio eleitoral. O atual governador Pezão era o candidato a vice na chapa vitoriosa.
O ministro da Justiça, mesmo estando com a razão, criou uma crise política para o governo de Michel Temer que não deveria ter passado como se nada tivesse acontecido. O silêncio do presidente sobre o tema mostra como ele está impedido, por compromissos políticos que o constrangem, de intervir quando seus ministros saem da linha.
Correção: O bandido que falou em entrevista que teria sido procurado por emissários do governador Sergio Cabral foi Marcinho VP e a eleição era para prefeito do Rio.