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Altos e baixos

 

O Leblon é uma ilha. Cercado de água por todos os lados — o mar, o canal do Jardim de Alah, a Lagoa, o rio que nela deságua depois de descer da Gávea e cruzar o Jockey ao lado do Hospital Miguel Couto, o canal da Visconde de Albuquerque.

O cantinho mais afastado da restinga ipanemense, antes chamado de Final do Leblon, mudou de nome ao invadir o continente e começar a subir pela encosta do Morro Dois Irmãos: há muitos anos passou a ser chamado de Baixo Leblon, para se distinguir do Alto Leblon que surgia. Depois, virou só Baixo, na intimidade dos frequentadores de seus bares e restaurantes, e assim fez sucesso em canção de Vinícius Cantuária.

Serviu de modelo para o Baixo Gávea, outro aglomerado de pontos boêmios, também incorporado à cultura carioca pelo filme do mesmo nome, de Haroldo Marinho Barbosa.

O adjetivo carinhoso pegou. Em pouco tempo, foi batizado de Baixo Bebê o ponto do calçadão onde mães e babás deixavam os carrinhos da criançada que ia à praia. A reurbanização da orla o consagrou com um fraldário.
Poucas quadras adiante, a rede de vôlei dos veteranos praieiros do bairro, já imortalizados havia décadas em poema de Drummond sobre os Inocentes do Leblon, se autodenominou Baixo Vovô, com direito a placa e faixa com o lema da turma: “onde todos ensinam e ninguém aprende”.

Podia ter ficado por aí, uma carioquice bem localizada. Mas pegou e foi se espalhando.

Lançamentos imobiliários acenaram com promessas de incorporar um Baixo Bebê ou Baixo Teen a suas áreas de lazer. Para completar, o sucesso de Xuxa construiu sua imagem de Rainha dos Baixinhos, como ela passou a chamar seu público-alvo.

Teve muito êxito. Dominou as telinhas infantis e o imaginário de toda uma geração — da qual fazem parte, por exemplo, os atuais deputados André Fufuca e Sheridan. Apenas jovens. Sem o lado nefasto da baixaria mais baixa daquela época, que há quase um quarto de século inaugurou a revelação deste pântano que nos enoja.

Ficou conhecida como o escândalo dos Anões do Orçamento, os deputados do baixo clero envolvidos em fraudes na Comissão do Orçamento, desvio de verbas públicas para entidades “pilantrópicas”, propinas de empreiteiras em troca de manipulação de emendas parlamentares, o flagrante de uma mala de dinheiro e até o assassinato de uma testemunha em perspectiva, mulher de um funcionário do Senado (que tentou o suicídio).

Entre os 18 deputados envolvidos nesse escândalo, o país então tomou conhecimento de um nome que volta aassombrá-lo agora: Geddel Vieira Lima.

Depois de uma CPI em que seis foram cassados, e quatro renunciaram, Geddel foi absolvido. E absorvido. Tanto que o povo da Bahia o reelegeu quatro vezes, gostando de ser representado por quem Itamar Franco chamou de “percevejo de gabinete”.

Seus pares também lhe deram valor: foi líder do seu partido no Congresso, três vezes reconduzido como chefão daquilo que o comentarista Marcio Moreira Alves chamava de “a moral homogênea do PMDB”.

E há década e meia ele se garantia nos altos escalões do governo. Tão alto que virou comensal do Planalto: foi ministro de Lula e de Temer, vice-presidente da Caixa Econômica no governo Dilma. Um banco como o BB de Bendine, ou o BNDES dos escolhidos para campeões nacionais: uma verdadeira mãe. Para alguns. Mamatas às nossas custas.

Se nos altos e baixos da vida o ex-ministro Calero não o tivesse exposto, e se a Operação Greenfield não o tivesse apanhado, Geddel ainda estaria “indo às compras”, como Antônio Carlos Magalhães se referia a ele.

De qualquer modo, continua nas alturas. Está em destaque, no alto de um pódio. Detém um recorde que deve ser invejado — por outros anões com aquela sua mala isolada, por todas as exposições de maços de dinheiro apreendido e fotografado sobre mesas, pela mala da corridinha do Loures, pelas sacolas repletas flagradas com os aloprados. Têm suas digitais os mais de 51 milhões de reais que a polícia encontrou em sua caverna urbana de Ali Babá ou piscina de quaquilhões do Tio Patinhas.

Em meio a tanta baixaria, de que Geddel é um exemplo cujos rastros ficaram visíveis, há também aquilo que paira nas alturas.

Alta demais era a pretensão justiceira de alguns, depois obrigados a corrigir seu açodamento leviano ou sua inconsistência ingênua.

Altíssima, acima de tudo e de todos, principalmente da lei, é a arrogância dos políticos e empresários que se acham inatingíveis e, captados por gravações, se revelam de uma baixeza única, dantesca, digna dos círculos mais profundos dos infernos, a coroar toda essa roubalheira com a desfaçatez e o escárnio de mentiras, armações, conluios de todo tipo.

Mas acima de tudo estará a estupidez dos inocentes (do Leblon ou de qualquer canto) que não aprenderem com o que o noticiário ensina. E insistirem em negar o que está diante dos olhos, reelegendo gente dessa laia e seus asseclas. O Leblon até pode ser uma ilha. Mas esses bandidos não vivem ilhados. Formam uma só quadrilha . O quadrilhão dos quaquilhões.

O Globo, 16/09/2017