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A política como caso de polícia

 

Assim como já houve a judicialização da política e a politização da Justiça, a moda agora é a policialização da política, ou seja, a política como caso de polícia.

Basta ver a primeira página do jornal em um dia desta semana. A manchete era sobre o presidente Temer e o ex-presidente Lula às voltas com idêntico problema: como enfrentar as graves denúncias de recebimento de propina.

Outras notícias: “Aliado de Geddel quer colaborar com a Polícia Federal”, “Garotinho é preso com tornozeleira”, “Outro dono da JBS vai para a cadeia”, “PF diz que PGR sabia de ação de Miller na JBS”.

Na charge do Chico, a caricatura de cinco conhecidos personagens vestidos de presidiários, com Temer ao fundo, no palácio, observando a cena, preocupado.

Para quem acha que esse acúmulo de informações sobre o mesmo tema é atípico, veja o dia seguinte. A principal revelação era: “Em nova denúncia, Temer é acusado de chefiar organização criminosa”. Ele e mais uma meia dúzia de membros da cúpula de seu governo seriam o chamado “quadrilhão do PMDB”, que teria embolsado R$ 587 milhões de dinheiro indevido.

E há mais: “PF vasculha a casa de ministro Blairo Maggi”. “STJ autoriza inquérito sobre Pezão por corrupção passiva”.

A impressão é de que quem não está preso é porque ainda vai ser.

Não sei se a história da República registra um momento como este, em que um presidente em exercício e um que já não é, mas pretende voltar a sê-lo, se encontram ao mesmo tempo em igual situação de risco. Os dois têm também uma queixa comum: se acham vítimas de perseguição. Temer, do procurador-geral, a quem acusa de ter usado depoimentos falsos e “delação fraudulenta”. Lula, de todo mundo que não o apoia, principalmente Sergio Moro, a quem atribui fixação nele.

A estratégia de ambos é também a mesma: revidar o acusador devolvendo as acusações.

Nesse item, Temer é um aprendiz diante de Lula, que é imbatível, como demonstrou no seu mais recente depoimento a Moro, classificando Palocci, que até a semana anterior era um admirável companheiro, de “frio, calculista, dissimulado”. E “mentiroso”, embora a maior mentira fosse a sua, ao discursar para militantes e manifestar, com sincero cinismo, um discutível desejo para quem gosta dos prazeres da vida e tem tanta ambição de futuro: “Eu prefiro a morte a passar para a História como mentiroso”.

Alguém acredita?

Nós, colunistas, somos pagos para comentar e explicar os fatos. Porém, diante da indefinição em que se encontra o atual cenário político, acho que vou devolver o salário.

O Globo, 16/09/2017