Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Razões da não-reforma

Razões da não-reforma

 

Há uma razão pragmática para que não se chegue a consenso sobre a reforma política, além do simples fato de que a maioria dos deputados não quer mudar o sistema que os elegeu. Mas o PRB e o PR, que juntos somam 60 votos na Câmara, têm uma motivação a mais. Eles contam em suas fileiras, respectivamente, com puxadores de votos como o deputado mais votado do país, Celso Russomano, com 1.524.286 votos, e o segundo mais votado, Tiririca, que teve 1.016.796 votos.

Graças a isso, o PRB elegeu 8 deputados em São Paulo, três levados pela votação de Russomano. Já Tiririca elegeu outros dois deputados, e o PR fez uma bancada de 6 deputados federais em São Paulo. Além de aumentar as bancadas de seus partidos, esses puxadores de voto aumentam também o fundo partidário distribuído pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anualmente aos partidos que participaram das eleições para a Câmara.

A maior parte dos recursos - 95% - é distribuída entre os partidos de acordo com o número de votos obtidos na eleição para a Câmara dos Deputados (os 5% restantes são divididos igualmente). Assim, cada voto obtido por uma legenda equivale, todo ano, a uma determinada quantia.

Na sua mais recente versão, o Fundo estava em cerca de R$ 800 milhões, o que dá por cada voto válido R$ 12,00. Assim como os grandes craques de qualquer esporte têm remuneração variável pela performance, ou executivos recebem bônus por produtividade, os grandes puxadores de voto, dizem as más línguas, também recebem uma percentagem do que levam para o Fundo Partidário.

Russomano, por exemplo, “deu” ao PRB mais de R$ 18 milhões nos quatro anos de seu mandato atual. Tiririca, mais de R$ 12 milhões ao PR. Mas eles também representam a distorção da vontade do eleitor quando seus partidos fazem coligações com outros que nada têm a ver com seus programas.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luis Roberto Barroso já deu declarações claras sobre o que considera ser a inconstitucionalidade das coligações proporcionais. Quando um eleitor vota em um candidato de um partido que, por exemplo, é contra o aborto, mas ajuda a eleger outro candidato de um partido que é a favor do aborto, ele está sendo fraudado em seus direitos de cidadão.

O fim das coligações proporcionais é um dos pontos possíveis de serem alterados para a próxima eleição, seja pela aprovação de uma reforma pontual na próxima semana pelo Congresso, seja por uma interferência do próprio STF, caso o impasse atual continue a impedir a aprovação da reforma política.

A tentativa de aprovar alguma coisa entre terça e quarta-feira, antes do feriadão que começa no dia 7 de setembro, tem justamente por base a possibilidade de que o Supremo seja instado a fazer modificações se o Congresso não resolver.

A proposta é aprovar o projeto que dá fim às coligações proporcionais e coloca em seu lugar as federações partidárias que, por exigirem coerência programática entre os partidos que fizerem uma coligação, e sua permanência durante toda a legislatura, fogem da inconstitucionalidade apontada pelo ministro do Supremo.

As subfederações, que permitem coligações diferentes das nacionais e não obrigam que os partidos atuem em conjunto nos Estados durante a legislatura, devem ser impedidas, ou no próprio momento da votação, ou no STF mais adiante.

As cláusulas de barreira também estão na pauta, e talvez o índice de votação necessário para uma atuação plena na Câmara aumente para 2% nacionalmente.  É possível que também tentem votar o distritão misto, mas não há certeza de que existam 308 votos para aprová-lo.

O ponto mais polêmico é o do Fundo Eleitoral, pois, embora tenham desistido de aprová-lo com um valor de R$ 3.6 bilhões pelo repúdio que gerou, há deputados que ainda querem fixar um valor, em vez de deixar que a Comissão de Orçamento o defina o valor mais compatível com a situação das contas nacionais.

Esse desencontro está dando força a uma proposta do senador Ronaldo Caiado, que não cria novas despesas. O Fundo proposto por ele acaba com o horário eleitoral na TV e rádio, e usa esse recurso que iria para propaganda política para as campanhas eleitorais. Somente as televisões estatais seriam obrigadas a transmitir os programas eleitorais.

O dinheiro viria da compensação fiscal que a União concede para as emissoras comerciais veicularem a propaganda política. Segundo a Receita Federal, em 2014, esse valor atingiu R$ 1 bilhão. Em 2015, ano sem eleições, foi de R$ 308,9 milhões. Em 2016, com eleições municipais, R$ 562,2 milhões.

Os recursos também viriam do dinheiro de multas e penalidades aplicadas aos partidos com base no Código Eleitoral.

O Globo, 02/09/2017