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Palavras não faltam

 

Com a certeza dos bem informados, Ricardo Noblat matou a charada ao publicar na sua coluna de anteontem a razão do fracasso da megaoperação que invadiu o Complexo do Lins com cinco mil militares e policiais apoiados por helicópteros e dezenas de veículos blindados, obtendo como resultado apenas a apreensão de três pistolas, duas granadas, quatro quilos de maconha e 13 de cocaína. Nenhum fuzil. É que houve vazamento, ou seja, os bandidos foram avisados a tempo de fugir levando o armamento pesado e o grosso das drogas.

O Comando-Geral da corporação reagiu com irritação, alegando em nota que “jamais tolerou desvios de conduta”, e acusou o jornalista de “irresponsabilidade inaceitável”.

Noblat manteve o que publicou, onde aliás não lança suspeita de conivência, e sim de responsabilidade de uma instituição que já foi considerada pela Pesquisa Nacional de Vitimização como uma das mais corruptas do país.

O que o colunista de fato denunciou é uma prática antiga.

Há anos, numa conversa informal, um oficial da PM contava que a grande dificuldade dessas incursões nos territórios inimigos era o vazamento.

Os traficantes são informados antes por algum membro da chamada “banda podre”, pois, como se sabe, existem duas polícias: aquela honesta, que se arrisca combatendo o crime e é por ele combatida covardemente (só este ano, 97 policiais foram assassinados), e a que achaca, extorque e recebe propinas do tráfico.

De acordo com o oficial, é muito difícil evitar essa infiltração, e o único recurso usado era o do despiste: anunciar internamente um alvo da ação e, na última hora, de surpresa, atacar outro.

Ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, criticou aqui no jornal o comportamento do secretário de Segurança, Roberto Sá, que cobrara uma “reforma criminal” que aumentasse o rigor da lei: “Vocês acham que quem tira a vida de uma pessoa pode (...) sair em cinco, seis anos”?, dava como exemplo.

Já Maia admitiu que a legislação deve melhorar, “mas a população do Rio, que vive uma convulsão social, quer mais polícia na rua”. O deputado acha que o secretário está culpando a lei pelo que é atribuição da política de segurança.

É possível que os dois tenham razão — falta mais rigor na lei, mas também um combate mais eficaz aos crimes. Enquanto isso, é perigoso ir até a esquina a qualquer hora, e nos damos por muito satisfeitos de não morar no Jacarezinho, onde as pessoas passam horas na entrada da comunidade na volta do trabalho, esperando cessar o tiroteio para poder entrar em casa.

O Globo, 16/08/2017