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Presidencialismo enfraquecido

 

Não chegamos ao ponto a que chegou a Argentina no período entre 2001 e 2002, que teve cinco presidentes em 12 dias, mas que estamos num regime presidencialista em decadência, isso estamos. Na Argentina, após a queda de Fernando de la Rúa, devido a uma onda de protestos, o presidente do Senado, Federico Ramón Puerta, assumiu o governo interinamente, mas ficou apenas dois dias. O governador da província de San Luís, Adolfo Rodriguez Saá, foi eleito por 60 dias, mas, como parecesse querer um governo de vários anos, criando até uma nova moeda, acabou caindo rapidamente, oito dias depois.

Ramon Puerta, presidente do Senado, assumiu novamente, mas durou apenas 15 minutos e renunciou. Eduardo Oscar Camaño, presidente da Câmara, assumiu em seu lugar e no dia seguinte a Assembléia elegeu Eduardo Duhalde, governador da província de Buenos Aires, que ficou no poder até maio de 2003, quando houve eleição presidencial para o mandato normal, vencida por Nestor Kirchner após Carlos Menem ter desistido do segundo turno.

Se o presidente Michel Temer for removido do Palácio do Planalto para responder a um processo por crime de corrupção passiva perante o Supremo Tribunal Federal, Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, ascenderá à chefia do Poder Executivo. Se Temer for condenado e perder definitivamente o mandato, o Congresso escolherá o novo presidente da República, o qual, provavelmente, será o próprio Maia. Se Maia não quiser se candidatar à reeleição, ou não puder por falta de apoio, mas sim ao governo do Rio, terá que se desincompatibilizar seis meses antes da eleição, e o novo presidente da Câmara assumirá a presidência da República em seu lugar. Ele pode, ainda, se candidatar novamente a deputado federal.

O cientista político Octavio Amorim Neto, professor da EBAPE/FGV, escreveu no Boletim Macro do IBRE deste mês um artigo onde aponta esta sucessão de presidentes como um dos sintomas da decadência do presidencialismo brasileiro: “(...)em 2017, é possível que um segundo presidente seja destituído em menos de dois anos e que, ao longo do quadriênio 2015-2018, tenhamos três ou quatro chefes do Executivo”, diz ele.

Para o cientista político, o enfraquecimento do presidencialismo não tem sido obra de um plano deliberado. O primeiro grande torpedo que recebeu o regime, lembra ele, foi a votação final do afastamento de Dilma pelo Senado Federal em agosto de 2016.

Para Octavio Amorim Neto, “(...) Ao contrário do que se tem dito, não foram as motivações políticas da deposição dessa mandatária que deram o caráter “parlamentarista” da decisão. Foi, isto sim, o fato de Dilma não ter perdido seus direitos políticos ao ser removida do Palácio do Planalto, tal qual acontecera com Fernando Collor em 1992. O que diferencia a destituição de um chefe de governo de um regime presidencialista daquela de um regime parlamentarista não é o móbil subjacente ao voto dado pelos legisladores, mas o fato de que, sob o primeiro sistema de governo, a remoção do chefe do Executivo por crime de responsabilidade acarreta também uma punição legal por meio da perda dos direitos políticos, o que não ocorre sob o parlamentarismo”.

Outro aspecto que tem caracterizado o enfraquecimento do presidencialismo, para ele, é o reconhecimento, pelo próprio presidente Michel Temer, de que seu governo é “semiparlamentar”. Também o clamor por eleições presidenciais e parlamentares antecipadas por parte dos líderes dos dois principais “partidos presidenciais” do Brasil, o PT e o PSDB, enfraquece o presidencialismo, pois “(...) um dos elementos essenciais desse sistema de governo é justamente o caráter fixo dos mandatos do presidente e dos congressistas. Pedir “Diretas Já”, como tem feito Lula, ou eleições gerais antecipadas, como sugeriu Fernando Henrique Cardoso, é lançar um torpedo na nau presidencialista”, analisa Octavio Amorim Neto.

Em suma, diz ele, aqueles que desde 1985 – quando foi criada a Comissão Arinos, passando pela Assembleia Nacional Constituinte de 1987-88 e chegando ao plebiscito de 1993 sobre a forma e o sistema de governo – têm militado pela substituição do nosso atual presidencialismo puro pelo parlamentarismo puro ou pelo semipresidencialismo, do tipo francês ou português, as condições políticas encontram-se cada vez mais maduras para que o desejo se transforme em realidade.

“Para que saiamos da depressão causada pelo atual noticiário político-policial, é fundamental que se comece a discutir seriamente o sistema de governo mais adequado para o novo Brasil que certamente nascerá das urnas de outubro de 2018”, exorta Octavio Amorin Neto.

O Globo, 25/07/2017