Segundo os especialistas, o samba nasceu há mais ou menos cem anos. Seus antepassados são os cantos africanos, o batuque, o lundu, o jongo — não necessariamente nessa ordem. O fato é que, no carnaval de 1917, fez sucesso uma música chamada “Pelo telefone”, registrada no ano anterior como samba pelo compositor Donga. E esta passou a ser a certidão de batismo do gênero, cuja legitimidade será discutida para sempre.
A polêmica tem lá seus motivos. Primeiro, porque havia sambas anteriores; segundo, porque “Pelo telefone” não é exatamente um samba, mas um maxixe. Enfim, a melodia agradou a gregos e baianos, recebeu muitas letras, mas uma se destacou entre as demais, talvez porque tivesse humor e malícia, marcas registradas do samba:
“O chefe de polícia/ pelo telefone /mandou avisar /que na Carioca /tem uma roleta /para se jogar.”
Qualquer semelhança com os dias de hoje não é mera coincidência: “Pelo telefone” foi a primeira delação premiada da corrupção carioca: denunciou as armações do chefe de polícia, e Donga, como prêmio, ficou com todos os louros e morenas do sucesso. Embora, como se saberia depois, a criação de “Pelo telefone” tenha tido a participação de outros compositores da roda de samba na casa da Tia Ciata. Coisa comum no gênero. Aliás, outro craque da época, o compositor Sinhô, dizia que “samba é que nem passarinho: é de quem pegar.”
Tendo seu início mítico ou real nos terreiros da região central do Rio, comandados pelas Tias Baianas — grandes mães de santo e quituteiras da cidade —, o samba floresceu magnificamente neste balneário de São Sebastião. Como cantou Zé Kéti, décadas mais tarde: “Eu sou o samba/Sou natural daqui do Rio de Janeiro/ Sou eu quem levo a alegria/ Para milhões de corações brasileiros.”
Além dos gênios cariocas, do calibre de Noel Rosa e Cartola, vieram para cá mineiros, como Geraldo Pereira, Ary Barroso e Ataulfo Alves, fluminenses, como Ismael Silva e Wilson Batista, e baianos, como Dorival Caymmi. Para mencionar apenas alguns dos maiores craques da Época de Ouro.
Como explicar a força e a permanência do samba? Talvez porque ele traga em sua substância a dor da diáspora africana e o dom paradoxal de fabricar alegria, a despeito das tragédias do mundo. Talvez seja isto que o faça poderoso e garanta a sua posteridade. Como diz o filósofo Nelson Sargento, ele às vezes agoniza, mas não morre.
O Brasil pode criar os piores abacaxis políticos, as piores quizumbas econômicas, os piores bafafás ideológicos, mas os sambas dos craques de hoje e de sempre são alguns de nossos grandes antídotos contra o veneno da desesperança.
Portanto, esquentai vossos pandeiros, sambistas de todo o Brasil! Nada tendes a perder, senão vossos versos e rimas. O samba será o nosso parceiro até o fim do mundo, quando embarcaremos no carro alegórico de Deus, na derradeira Terça-Feira Gorda, e seremos felizes para sempre. Ou, pelo menos, até a Quarta-Feira de Cinzas.