No domingo passado, minha mulher e eu gastamos quase o mesmo tempo de uma viagem a Lisboa no trajeto Porto Alegre-Rio. Foram mais de sete horas entre espera em aeroporto, embarque, voo, conexão em Guarulhos, troca de avião, descida no Galeão, já que o Santos Dumont estava interditado, e a dúvida: aceitar o ônibus que a companhia oferecia até o SD ou pegar logo um táxi e arriscar-se na Linha Vermelha à meia-noite? O cansaço e a pressa nos convenceram mais que o argumento do motorista credenciado de que sua empresa monitorava todo o percurso, garantindo segurança. Ele tinha razão ou nós, sorte. Não houve nenhum contratempo.
O choque foi de outra natureza. Na saída do túnel, parecia estarmos chegando a uma cidade desconhecida e estranha. Em vez da deslumbrante paisagem que costuma receber os turistas, uma espessa neblina cobria tudo. Cadê a Lagoa? Onde estão as montanhas? E o Cristo Redentor? E, mais adiante, a praia e o mar? Só descobrimos estar no Rio em casa, ao dar uma olhada nos jornais acumulados com as notícias rotineiras: Criminosos levam veículo com criança dentro. Moradora é baleada na cabeça no Alemão. Estudante vítima de bala perdida deixa filha de 9 meses. Após arrastão em lojas, Centro tem megaoperação contra o tráfico. Operação da PM deixa mais de 11 mil alunos sem aula no Complexo da Maré. Polícia matou três pessoas por dia este ano.
E como se fosse pouco, haveria mais para completar o cenário em que a névoa funcionava como metáfora de uma semana de outras más notícias, uma das quais foi a reprovação pelo TCE, por unanimidade, das contas de 2016 do governador. A relatora do processo baseou sua decisão em irregularidades cometidas por Pezão em áreas vitais para a população. A educação, por exemplo, recebeu quase R$ 1 bilhão a menos do que tinha direito. Na saúde, foram destinados apenas 10,42% das receitas, quando o mínimo previsto por lei é 12%. Descumprindo a Constituição estadual, o governo não destinou os 2% das receitas tributárias para a pesquisa científica e tecnológica.
Como o pronunciamento do TCE não é definitivo, o governador espera contar com a aprovação da Assembleia Legislativa, onde tem os aliados do PMDB, a começar pelo presidente da Casa. Ele espera também que rejeitem os dois pedidos de impeachment que já foram protocolados pela oposição, enquanto a OAB-RJ também estuda se faz o mesmo. De qualquer maneira, ainda que Pezão consiga se livrar desses embaraços, o desgaste de sua imagem é inevitável. Porque, além da violência e da calamidade financeira, o Rio vive, como disse o procurador-geral Sérgio Paulo Martins Teixeira, uma “crise social e moral”.