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Estratégia de confronto

 

Por ocasião da greve, viralizou na internet a foto de um tapume. Nele, grande e legível, uma frase de minha autoria: “A Biblioteca Nacional deve ser motivo de orgulho de todo brasileiro. Um sistema de boas bibliotecas públicas é essencial para a democracia: ao facilitar o acesso do cidadão ao livro, ajuda a pensar por conta própria, estimula a imaginação e alimenta as defesas contra o autoritarismo e a opressão.” Ao lado da citação, um bando de policiais protegidos por escudos e capacetes, armados de cassetetes, revólveres à cintura. Não se sabe se prestes a atacar ou a se defender encolhidos. Mas dispostos ao embate físico. 

O confronto que os tirava dos quarteis não seria por meio de livros ou debate de ideias tendo em vista o desenvolvimento da democracia. Outras imagens nos mostraram o lado de fora da foto. Havia manifestantes com faixas contra projetos em discussão no Congresso (que, aliás, vem sofrendo invasões estarrecedoras como a recente investida de agentes penitenciários a derrubar tudo o que encontravam pelo caminho, em direção ao plenário). Protesto legítimo. Mas em volta da Biblioteca naquela tarde, havia também mascarados, black blocs, provocadores a distribuir pancadaria e apedrejar passantes, lojas e escritórios. Gente que saiu de casa com o objetivo de transformar a manifestação em campo de batalha.

A esta altura da vida nacional, ainda não sabemos qual vai ser a saída. Mas continuo batendo na mesma tecla: temos que superar essa estratégia de confronto. As coisas não podem ser ganhas no grito ou na marra. Essa exacerbação que vem há tempos nos jogando uns contra os outros não pode acabar bem. Não deve ser admitida como caminho para resolver problemas. Os funcionários do Teatro Municipal acabam de nos mostrar que há outras formas de denúncia e protesto, dando valor a seu trabalho quando trazem música e dança para uma apresentação à população, na praça, ganhando o apoio do público. Falta agora receber os salários atrasados.

É claro que está muito doente uma sociedade em que parlamentares querem anistiar uma polícia que deixou a população refém da bandidagem, com um saldo de 199 assassinatos em poucos dias, como ocorreu no Espírito Santo. Como achar normal que se multipliquem motins em presídios, chacinas de lavradores, massacres de índios, facções criminosas a trocar tiros e incendiar veículos? E balas perdidas. E policiais mortos dia sim dia não.

É hora de buscar entendimento, sem dispensar a ação da Justiça. A última coisa que se precisa agora é mais incitação ao confronto. Como a bravata de Lula, diante das acusações, com a ameaça de futuramente, “mandar prender eles por mentir.” Ignorância? Irresponsabilidade? Presidente não tem poder de mandar prender. Quem pode fazer isso é juiz ou delegado. O último presidente a sacar essa arma de vergonhosa memória foi o General Figueiredo, com seu “prendo e arrebento”. Lula não pode entrar para a História igualado a ele.

Mas os confrontos estão no cotidiano. É prioritário acabar com isso. Nada consome tanto o direito dos cidadãos como eles. Suas maiores vítimas são os moradores desprotegidos de áreas carentes de tudo. 

Claudius Ceccon, do Centro de Criação de Imagem Popular (Cecip), relata episódio recente na Favela de Manguinhos:

“A pracinha, cercada por lojas e casas de moradores, foi recuperada pela parceria entre a ONG Cecip e as associações de moradores, a Comlurb, a Fiocruz, a Agenda Ser Criança e, principalmente, as crianças, que participaram da definição do projeto. Pintaram muros em cores vivas, neles escreveram “Paz na favela”, plantaram árvores, instalaram brinquedos e chuveiros, restauraram minipalco, anfiteatro e quiosque. O espaço comunitário renovado por moradores e poder público era motivo de orgulho, mostrando que é possível mudar para melhor. A UPP foi informada do evento com crianças, que brincavam esperando a festa.

De repente, ouvi “Ai, meu Deus, lá vêm eles! Vão estragar a festa!” Eram policiais, toucas ninja, portando fuzis. Absurdo, num ambiente com crianças. Sem saber como reagir, ouvimos a primeira rajada. Instintivamente, buscamos proteção atrás de um trailer, com as crianças, inteiramente vulneráveis. Mais tiros, muitos tiros. Uma mulher passou correndo, bebê no colo. Uma moradora nos chamou, abrindo a porta de casa. Entramos todos, as crianças deitaram imediatamente no chão. Pela janela semiaberta dava para entrever o que se passava: tiros, rajadas e estrondos de arma de grosso calibre. Cada vez mais próximos, agora, na porta da casa! Todos nos deitamos, aterrorizados. 

O tiroteio ensurdecedor durou mais de duas horas, não acabava nunca. De repente, silêncio, pesado, tenso. Pouco a pouco, vozes ao longe, pessoas saindo de suas casas.” 

Acabara. Até a próxima vez. 

O que fazer? Que a resposta não seja a escalada de confrontos. Precisamos superar isso e deixar a Justiça resolver. Mas que ela aja igual para todos. Ou não será Justiça.

O Globo, 13/05/2017