Em nossa história política, o ano de 2016 ficará provavelmente conhecido pelo impedimento da presidente da República, embora troca de presidentes fora do calendário eleitoral não seja novidade entre nós.
Baste lembrar que em 86 anos, de 1930 até hoje, apenas quatro presidentes eleitos pelo povo completaram seus mandatos: Eurico Gaspar Dutra, Juscelino Kubitschek, Fernando Henrique Cardoso e Lula.
Isso quer dizer que nossa República pós-1930, passadas duas ditaduras e 26 anos de governo democrático, continua incapaz de rotini-zar a troca de governantes.
Embora parte de longa tradição, o impedimento havido neste ano teve marca própria, como todo evento histórico. Por lei, impedimento é julgamento político feito pelo Legislativo. Fernando Collor não dispunha de apoio no Congresso nem nas ruas: sua remoção foi tranquila. Por contarem com esse apoio, escaparam do impedimento Fernando Henrique e Lula.
No corrente ano, a chefe de Estado, graças à inabilidade política, a diretrizes econômicas desastradas e à revelação das relações espúrias entre políticos, partidos e grandes empreiteiras, perdeu o apoio do Congresso e viu ruas e redes levantarem-se contra ela. A consequência foi a perda da batalha do impedimento. A diferença em relação a Collor foi que desta vez o país se dividiu e restou um legado de ressentimento e ódio.
O novo governo herdou a ingrata tarefa de enfrentar a maior crise econômica já vivida pelo país. De início, ele foi visto com moderado otimismo por contar com base parlamentar suficiente para fazer aprovar reformas impopulares exigidas para o reequilíbrio das contas públicas.
Mas o presidente logo se viu forçado a enfrentar a reação das ruas às reformas e, sobretudo, o enfraquecimento de sua base pela artilharia da Lava Jato. Seu próprio mandato passou a ser colocado em dúvida, agravando-se o estado de incerteza em que vive o país.
O ano termina com pesado passivo político: incerteza sobre a continuidade do mandato do chefe de Estado; a devastação causada pela Lava Jato nas lideranças políticas; a crise da esquerda e o consequente reforço do enraizado conservadorismo brasileiro evidenciado nas eleições municipais; a redução da confiabilidade em políticos, partidos, instituições e no próprio sistema representativo vigente; e a demonstração de que, 31 anos após a redemocratização, nossas instituições continuam frágeis e nosso sistema representativo é incapaz de processar os conflitos de interesses inerentes a uma sociedade escandalosamente desigual.
Essas dificuldades políticas, por sua vez, têm dificultado a implementação de iniciativas que reponham a economia na rota do crescimento, condição indispensável para reduzir os 12 milhões de desempregados e retomar as políticas sociais.
De positivo, deve-se apontar a democratização da justiça. Descontados excessos nas investigações, há que reconhecer que, levando-se também em conta o julgamento do mensalão, pela primeira vez na história do país ricos e poderosos foram, e continuam indo, para a cadeia, indicador de grande avanço Renata Miwa republicano.
Também, frente à desmoralização do Legislativo e do Executivo, o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal têm agido em consonância com o grosso da opinião pública. A Corte Suprema caminhava também nessa direção, acumulando credibilidade, até que aceitou um arreglo desmoralizante forçado pela arrogância do presidente do Senado, um réu que ela própria terá que julgar.
Ainda no lado positivo, tendo em vista nossa tradição, há que registrar o silêncio das Forças Armadas. Caberá só aos cidadãos continuar a batalha, já por demais longa, e talvez já perdida, por uma república democrática estável e eficaz. Os mais pessimistas podem ouvir neste fim de ano o "Nearer, my God, to Thee", tocado pelos violinistas enquanto o Titanic se afundava.