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Um pacote com furos

 

Depois de sete meses de um rigoroso tratamento contra o câncer, o governador Pezão se submete agora a uma dramática catarse ao expor para a sociedade as medidas drásticas que está adotando. É uma atitude corajosa, mas ao seu programa de austeridade falta admitir e revelar que a crise tem raízes no governo de que ele foi vice e contra o qual há indícios de má gestão e suspeita, pelo Ministério Público Federal, de superfaturamento nas obras do PAC, sem falar na gastança dos royalties. Por tudo isso alguém deve ser responsabilizado, e talvez nem seja ele. De hábitos modestos, provinciano, um político que sempre evitou a ostentação, não se conhece na vida pública de Pezão conduta que o desabone, nem mesmo cenas de exibicionismo, com ou sem guardanapos na cabeça, em restaurante chique de Paris, ou que sua mulher tenha recebido anel de R$ 800 mil de empresário — aliás, ela é uma primeira-dama exemplar. 

Mas seu pacote tem outros furos, entre os quais o de não levar em conta as absurdas distorções da administração estadual, ou seja, da própria casa por onde deveriam começar os cortes. Num exaustivo trabalho publicado na edição de domingo, os repórteres Elenilce Bottari, Rafael Galdo e Selma Schmidt mostram que a correção de algumas discrepâncias e a extinção de benefícios indevidos e mordomias teriam efeitos menos amargos para os mais necessitados, e mais eficazes para o ajuste que o estado quer obter. Se leu a matéria, o governador ficou sabendo que o Rio vai gastar em 2017 R$ 2,1 bilhões em privilégios para membros do Tribunal de Justiça, do Ministério Público, do TCE e do Executivo, e apenas essas regalias significam 35% dos R$ 5,9 bilhões que o estado arrecadaria com o aumento da contribuição previdenciária. 

Há dados que seriam até pitorescos se não fossem acintosos, como a informação de que os 70 parlamentares fluminenses podem gastar cada um, além de R$ 2.970 por mês em combustível, uma cota mensal de mil selos para correspondência (era de três mil, e foi reduzida. Vão acabar descobrindo que já foi inventada uma forma mais barata e mais rápida de se comunicar por escrito e que dispensa envelope e selo: o e-mail). E há muito mais. Resta saber se, com esses furos, o pacote vai parar de pé.

Ainda bem que nesses tempos tão sem graça existe a nova Escolinha do Professor Raimundo, conseguindo o que parecia impossível. O programa do filho é tão bom quanto era o do pai. Pela qualidade do humor, pelo texto e pelo desempenho do elenco, merece o que lhe daria o próprio mestre: nota 10.

O Globo, 16/11/2016