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A Lava Jato e a Lei Seca

 

O lugar-comum garante que o fato histórico, repetido várias vezes, torna-se ridículo.

O atual imbróglio que está bagunçando a nossa classe política, com os principais tubarões da corrupção e do crime, mas sobretudo com as delações premiadas, está lembrando o massacre de São Valentim, quando duas gangues, durante a Lei Seca nos Estados Unidos, disputavam com bombas e fuzis Thompson o comércio das bebidas proibidas.

O dia de São Valentim ficou marcado pela chacina de um dos grupos sobre o outro. Como todos eram mais ou menos capangas uns dos outros, as delações, algumas premiadas, colocaram Chicago numa situação parecida com a que vivemos hoje no Brasil com a Lava Jato.

Generalizando, parece que todos, de alguma forma, estão comprometidos com a corrupção, que se manifesta de mil modos, desde cargos de primeiro escalão até a troca de apoios e coligações ao preço daquelas notinhas verdes impressas pelo Federal Reserve Note.

Pelo que se sabe, ainda não houve, até agora, um "fatto di sangue" como o que marcou a Lei Seca nos Estados Unidos. Mas o chão está estrumado para arrebentar de uma hora para outra, com as novas revelações e delações, premiadas ou não.

Curiosamente, e diferentemente do massacre de São Valentim, misturaram-se altos funcionários do primeiríssimo escalão, políticos de vários partidos e alguns empreiteiros das principais companhias da iniciativa privada.

Executivo, Legislativo e Judiciário ficaram, uns mais, outros menos, reféns da Lava Jato.

Quando Deus mandou Noé construir uma arca para salvar os justos, não precisaria de uma arca, bastaria uma boia ou um pedaço de tábua. A impressão que dá é a de que ninguém merece realmente salvação, inclusive os casais de animais, um de cada espécie. 

Folha de São Paulo (RJ), 23/10/2016