A decisão de enviar ao Congresso a proposta de reforma da Previdência antes do primeiro turno das eleições municipais tem um simbolismo importante. Mesmo sabendo que o tema é espinhoso, o presidente Michel Temer não quis tratá-lo com o populismo com que seus adversários políticos tratarão, e seus aliados pagarão um preço por isso.
Durante a campanha eleitoral, terão que enfrentar ataques irresponsáveis dos que procuram os votos às custas da ignorância ou ingenuidade dos eleitores. Dirão que as medidas são injustas, não são necessárias, e outros tipos de atitudes que só nos levarão à beira da insolvência caso não ataquemos essa questão com seriedade.
Temos exemplos recentes pelo mundo de países, como a Grécia, que acabou na bancarrota devido ao desperdício que patrocinou durante anos com o funcionalismo público, e com as aposentadorias. E temos exemplos mais recentes ainda, como a França de um governo socialista, que enfrentou uma campanha radicalizada contra mudanças na legislação trabalhista, e levou-as a cabo.
É claro que o debate da reforma da Previdência se tornará tema central da campanha municipal, e ajudará a oposição irresponsável, que vive de prometer benesses aos eleitores que não podem ser cumpridas. Mas o governo será obrigado a defender seus pontos de vista com números e empenho redobrado, pois de nada adiantará vencer eleições para em seguida fazer tudo aquilo que prometeu não fazer.
Temos o exemplo da presidente demitida Dilma Rousseff para lembrar aos eleitores, e temos, sobretudo, que implantar um sistema de negociação no Congresso que não se transforme em um toma-lá-dá-cá que não traz benefícios para a população.
O projeto político do presidente Michel Temer até agora deu certo pela metade, talvez a metade mais importante, que o levou a assumir a presidência da República depois de um longo processo de impeachment, que ele esperava normalizaria o país e daria condições para que as reformas estruturais fossem apresentadas como uma solução para o país em crise.
Como a política é dinâmica, o movimento que levou irresponsavelmente a palavra "golpe" para os quatro cantos do mundo não dá condições para a pacificação da sociedade, pelo menos por enquanto. O processo do impeachment acabou maculado por uma decisão incompreensível (ou compreensível até demais) de recortar um texto constitucional, aprovando apenas o que convinha a grupos políticos distintos.
Assim, houve uma maioria avassaladora para cassar o mandato da presidente Dilma por crime de responsabilidade – mais de 2/3 dos senadores se pronunciaram nesse sentido -, mas outra composição de forças se formou com uma negociação nos bastidores entre alas do PMDB capitaneadas pelo presidente do Senado Renan Calheiros e o PT, para impedir que Dilma ficasse inabilitada para a vida pública.
O que parecia impossível, aconteceu: a presidente cassada revelou nos últimos dias uma capacidade política de ação, não de negociação, que lhe deu a chance de sair da cena de maneira a poder vislumbrar um futuro, que parecia não existir.
Mas essa possibilidade abriu também uma nova fase no processo de impeachment, impedindo que o superássemos para partir em busca de uma reconciliação. O presidente de fato e de direito é Michel Temer, mas ele está tendo que enfrentar reações que, embora minoritárias, não abrem espaço para reconciliação.
Mesmo depois que o Supremo Tribunal Federal decidir a questão, a pacificação não existirá, pois a oposição, mesmo atolada até o pescoço nas acusações de corrupção que surgem a cada dia, encontrou uma brecha para continuar tentando inverter os fatos e levar para a campanha municipal uma mensagem que salve o PT e aliados do ostracismo político a que pareciam destinados.
Teremos ainda muitos embates políticos até que consigamos estabelecer pontes de negociações razoáveis, deixando para trás esse período de violências físicas, verbais e psicológicas que marcam os dias recentes. O presidente Michel Temer terá que mostrar a que veio, trazendo para si o apoio da população que permitirá aprovar as reformas de que o país precisa. Caso contrário, permaneceremos nessa disputa política sem fim que inviabilizará o país.
Consultoria
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, liga para dizer que sua atuação no grupo JBS sempre foi de consultoria, sem nenhuma ingerência na gestão, inclusive com um contrato bastante específico sobre suas funções.