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Fim inexorável

 

O comentário aparentemente cândido do presidente do PT Rui Falcão sobre as dificuldades que a proposta de um plebiscito sobre nova eleição presidencial enfrentaria para se tornar realidade, na verdade é uma crítica direta à presidente afastada Dilma Rousseff que explicita a separação entre o partido e aquela que foi sua candidata à presidência por influência de Lula.

Nunca Dilma teve o apoio do partido, que não a engoliu mesmo quando as coisas da política pareciam favoráveis ao partido e a ela. Agora, a crise os separa cada vez mais, e já se prevê que a dissonância aumentará à medida que as delações premiadas da Operação Lava Jato começarem a envolver Dilma e seus dois governos.

Ela já ensaiou o tom que usará quando comentou a revelação do marqueteiro João Santana de que recebeu milhões de dólares no exterior, pagos por um intermediário ligado a empresa envolvida no escândalo da Petrobras, a mando do PT. Trata-se de uma modalidade nova, caixa 2 oriunda de propina, ao contrário da maioria das propinas, que eram pagas como se fossem doações legais das empresas.

Mas Dilma, que anteriormente negava a possibilidade de ter havido pagamento de propina ou mesmo caixa 2 em suas campanhas, teve que mudar seus comentários diante dos fatos que estão surgindo nas investigações da Lava Jato. A delação premiada dos executivos da Odebrecht, sobretudo a de seu presidente Marcelo, deve, pelo que já vazou, incriminar largamente a presidente afastada, inclusive com financiamento ilegal do trabalho do marqueteiro João Santana para as campanhas presidenciais de 2010 e 2014.

Dilma passou então a dizer que esse seria um problema do PT, e não dela, pois como candidata e presidente nunca autorizou pagamento de propinas. Jogando a culpa sobre seu partido, Dilma está apenas fazendo jogo de cena, pois pela legislação brasileira os candidatos são responsáveis pela prestação de contas das campanhas.

A separação política do PT não impediu, no entanto, que os senadores da base aliada tivessem uma ação ativa na Comissão do Impeachment para tentar retardar ao máximo a decisão, que acabou saindo ontem pelo placar esperado, largamente contrário à presidente afastada. Agem em benefício próprio, não do país muito menos de Dilma, para tentar montar uma narrativa que os ajude a recolher os cacos de carreiras políticas manchadas pela corrupção.

O senador Lindbergh Farias, um dos mais ativos na tentativa de atrapalhar os trabalhos da Comissão, caiu na malha fina da Operação Lava Jato na delação premiada de Otávio Azevedo, ex-presidente da Andrade Gutierrez.

O mesmo deve acontecer no plenário do Senado, e a definição de posições começa a mostrar que o quadro na votação final será necessariamente contrário à permanência de Dilma por uma grande diferença. O senador Cristovam Buarque, ao rebater ontem a tese do golpe parlamentar, fez um belo discurso mostrando bem a diferença entre decisões democráticas como o impeachment, cujo processo transcorre há quase um ano no Congresso, com a supervisão do Supremo Tribunal Federal, e os golpes de Estado antidemocráticos.

O senador Eduardo Braga também já se posicionou no campo antipetista ao aliar-se ao prefeito tucano Arthur Virgílio em Manaus. O senador Jader Barbalho, embora não queira anunciar seu voto agora, dificilmente deixará de votar a favor do governo Temer, que tem seu filho como ministro.

Caminhamos assim para um desfecho provável até o fim deste mês, momento em que o presidente interino passará a ser efetivo e terá que mostrar toda a sua habilidade para lidar com um Congresso que tem sua maioria atrelada ao novo governo, mas está disposto a fazer valer seus desejos, que muitas vezes não coincidem com os do país.

 Michel Temer até o momento tem cedido a todas as chantagens a que é submetido por corporações e indivíduos, mas a margem de manobra está sendo reduzida à medida que a leniência com os gastos públicos retira-lhe o apoio da sociedade e traz incertezas aos investidores.

O Globo, 05/08/2016