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Reforma inevitável

 

Os políticos que tentam desviar a decisão final pelo impeachment da presidente Dilma para o atalho da convocação antecipada de eleições diretas para a presidência da República sabem que a superação da crise institucional que estamos vivendo não passa pela volta ao poder da presidente afastada Dilma Rousseff , tanto que a proposta é que ela se comprometa a convocar as eleições antes mesmo da votação da etapa final no Senado.

Alguns parecem bem intencionados, pois aparentemente a saída mais saudável para crises como essas seria transferir ao eleitorado a solução, através do voto. A maioria, no entanto, acha que descobriu uma solução para driblar a impopularidade que Dilma transferiu não apenas para o PT, mas para toda a esquerda.

Essa impopularidade tem muito do desgoverno da presidente afastada, mas tem a ver, sobretudo, com o esquema de corrupção que os governos petistas coordenaram com o intuito de dominar a política brasileira por décadas adiante. O enriquecimento pessoal de alguns foi uma decorrência natural do volume de dinheiro que passou a circular entre os que detinham o poder.

Realizada uma eleição presidencial ainda este ano, com o PT na oposição e o governo Temer podendo ser acusado pelas medidas de austeridade que terá que adotar para reorganizar a economia, e sem tempo para colher eventuais sucessos da nova política econômica, haveria uma chance de Lula ainda ter tempo de se candidatar, antes de acertar suas contas com a Justiça, e possivelmente tornar-se inelegível.

As pesquisas, como a divulgada ontem, mostram que ele continua, apesar dos pesares, sendo competitivo no imaginário do eleitorado, embora os números, tanto dele quanto de Aécio Neves e Marina Silva, possam ser apenas efeitos de uma memória do eleitor (recall) que se desfaça em uma campanha mais aguerrida como deverá ser a da próxima eleição presidencial, agora ou em 2018.

Se a pesquisa de opinião não foi boa para Temer, que apresenta um grau de aprovação muito baixo, tampouco foi alentadora para Dilma, pois mostra uma maioria próxima de 70% concordando com seu afastamento, mesmo sem apoiar Temer.

Uma eleição presidencial antecipada tirada da cartola para um mandato tampão de dois anos é claramente uma não-solução, que pode acirrar os ânimos mais ainda. A solução constitucional de substituir o presidente pelo vice é a única saída razoável, mesmo se o governo Temer não puder ser caracterizado como bom ou ótimo pela maioria, situação em que se encontra hoje.

Mas certamente na parte econômica haverá um prazo razoável para tomadas de decisões importantes até a eleição de 2018, que darão ao país um caminho para o reequilíbrio das contas públicas e a retomada do crescimento, mesmo que em bases modestas inicialmente.

Ao lado disso, será preciso lançar as bases para reformas estruturais importantes, sem as quais não teremos chance de vencer a crise. Entre elas, a reforma política, das mais fundamentais, poderia ser encaminhada, essa sim, através de um plebiscito para a convocação de uma Constituinte exclusiva, juntamente com a próxima eleição presidencial.

O cientista político Nelson Paes Leme lembra que “os impasses históricos brasileiros sem solução aparente na crônica sempre tiveram como corolários claros processos constituintes que resultaram em novas Cartas. Estamos, a meu sentir, nos umbrais  da nossa oitava”, comenta, afirmando que estamos vivenciando o fim da Nova República. Ele não tem dúvida de que o Poder Constituinte Originário surgirá desse quadro, com um papel importante do Supremo Tribunal Federal (STF). “Como não há lideranças expressivas no Congresso ou no Executivo, imagino que essa nova ordem há de brotar do próprio Judiciário, onde se encontram os talentos desta vez”.

O Globo, 09/06/2016