A preocupação explicitada pelo presidente Michel Temer ontem, na sua primeira manifestação pública depois de investido no cargo, foi com os parlamentares, não sem razão. No curto prazo, ele precisará de apoio congressual para desmontar bombas deixadas pelo caminho pela administração afastada, aprovar medidas imediatas, como a mudança da meta fiscal ou a DRU, e também as reformas delicadas que pretende encaminhar para discussão.
Mas, a médio prazo, ele tem outra preocupação, garantir a manutenção dos votos necessários para a retirada definitiva da presidente afastada Dilma Rousseff de seu caminho. Ter tido 55 votos já de saída para a admissibilidade do impeachment indica que a tarefa pode ser mais fácil do que se supunha, pois pelas contas oficiais são necessários pelo menos 54 votos para o afastamento definitivo de Dilma.
Mas, curiosamente, a tarefa pode ser mais fácil ainda, pois, segundo o jurista José Paulo Cavalcanti, ex-ministro da Justiça do governo Sarney e membro da Comissão da Verdade, a interpretação do parágrafo único do artigo 52 da Constituição, que trata do assunto, está sendo feita de maneira equivocada. Diz lá que a condenação “será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal”.
Contam 2/3 do total de 81 Senadores e chegam 54 votos, ironiza José Paulo Cavalcanti, para em seguida explicar “que não é bem assim”. Quóruns constitucionais, diz ele, podem ser calculados relativamente ao número de componentes do colégio eleitoral, ou ao número de presentes.
No primeiro caso, ele cita a Itália, que no artigo 138 da sua Constituição pede aprovação “pela maioria absoluta dos componentes de cada Câmara”. No caso de número de presentes, ele cita os Estados Unidos, cujo artigo V da Constituição exige para proposição de emendas dois terços dos presentes de cada Casa do Congresso, e não dois terços da totalidade dos seus membros.
José Paulo Cavalcanti diz que o problema central para a correta interpretação do artigo 52 da nossa Constituição é entender que ele não pede votos de dois terços dos membros do Senado Federal, e, sim dois terços dos votos dos membros do Senado Federal.
Não é a mesma coisa, explica. “Voto não é o abstrato poder-dever de votar, mas o concreto exercício desse poder-dever”, ressalta. A Constituição não pede, portanto, votos de dois terços dos Senadores, mas dois terços dos votos pronunciados pelos Senadores.
Sendo assim, o número mágico para afastar definitivamente a presidente Dilma no seu julgamento no Senado seria 54 votos apenas se todos os 81 Senadores votarem. Sem ausências, nem abstenções.
No caso da votação de quarta-feira, houve 3 ausências e 1 abstenção, a do presidente do Senado Renan Calheiros. Com 77 votantes, o número mágico passaria a ser 51 votos, e não 54. No máximo 52, pois a conta é quebrada. A situação melhora ainda para Temer, pois o suplente do senador cassado Delcídio do Amaral deve votar pelo impeachment, apesar de seu vínculo familiar com o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula: uma filha de Pedro Chaves dos Santos é casada com um dos filhos do pecuarista.
Também o senador Jader Barbalho, que não compareceu por motivo de doença, se puder comparecerá na votação final para apoiar Temer, que colocou seu filho, Hélder no ministério da Integração Nacional. E outro faltante, o senador Eduardo Braga, deve estar magoado, pois, embora fosse o candidato de Renan Calheiros, não entrou no ministério, talvez porque não tenha convencido de que tinha justa causa para faltar.
José Paulo Cavalcanti destaca que o sistema exposto no texto é precisamente o do direito eleitoral brasileiro. Ele lembra que no último segundo turno, Dilma foi eleita não por ter maioria entre os brasileiros, nem mesmo entre os eleitores. Contando os votos dados, ela teve maioria, sem considerar quem não tem título de eleitor, nem as abstenções, nem brancos e nulos. Dilma teve 54.501.111 votos (51,54% dos votos válidos) de um total de 112.683.879 votos apurados, descontando-se 1.921.819 votos brancos; 5.219.787 votos nulos e 30.137.479 abstenções.