Não há a menor necessidade de recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para definir o rito do processo do impeachment no Senado, pois ele já foi decidido anteriormente. Entre o recebimento da autorização da Câmara para o processo de impeachment, até a votação da comissão especial no Senado, o máximo previsto é de cerca de 15 dias úteis.
Se confirmada a data de 11 de maio que informalmente o presidente do Senado Renan Calheiros está marcando para a votação da admissibilidade, estaremos dentro desse prazo, com um pouco mais de largueza, e nada indicaria uma vontade de postergar o processo.
O que pode retardar esse calendário é uma provável ação governista no STF questionando algum aspecto do processo da Câmara, como o ministro José Eduardo Cardozo vem insinuando constantemente. O recurso da Advocacia-Geral da União (AGU) pode se concretizar se no dia 20 o Supremo decidir favoravelmente à nomeação do ex-presidente Lula para o Gabinete Civil da Presidência.
Nesse caso, retardar o processo pode dar a Lula mais tempo para tentar reverter o resultado no Senado, que neste momento tem maioria simples para aceitar o processo de impeachment, mas ainda não há declarados votos suficientes para condenar a presidente Dilma.
Parece fora de propósito que o Senado rejeite o processo, ele tendo sido aprovado por uma maioria qualificada de pelo menos 342 votos no plenário da Câmara, e por isso o trabalho do ex-presidente Lula pode ser praticamente inútil.
Entre a provável aprovação no plenário da Câmara no domingo 17 – caso não haja uma reviravolta e a votação seja interrompida por alguma liminar, o que é improvável, mas possível – e a votação na comissão do Senado no dia 11 de maio, Lula terá 23 dias (ou mais, se um eventual recurso for aceito), incluindo fins de semana e feriados, para tentar evitar uma decisão que hoje parece a consequência lógica.
Se estiver à frente do Gabinete Civil, terá um fôlego para trabalhar. Se, ao contrário, o STF tiver decidido que ele não pode assumir o ministério, devido ao desvio de finalidade cometido pelo presidente Dilma, ele estará exposto em toda sua fragilidade política atual, e a presidente Dilma a caminho de responder a um processo de obstrução da Justiça.
Perdida essa batalha, depois de afastada a presidente, o julgamento tem até 180 dias para ser finalizado, e tanto Dilma quanto Lula ficarão ao relento para defender o mandato que estará sendo julgado no Senado sob a presidência do ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF.
Lula, além disso, terá que se dividir entre Dilma e sua própria sobrevivência nos processos a que responde. Paralelamente, as investigações da Lava-Jato, em outra dimensão, continuarão a revelar as entranhas da candidatura de Dilma em 2014 e a atuação de pessoas ligadas a ela, como Giles Azevedo, seu principal assessor, e o ministro Edinho Silva, arrecadadores junto às empreiteiras; ou como a sua amiga ex-ministra Erenice Guerra e o ex-senador Gim Argello, que pode fazer uma delação premiada.
Mesmo que não constem da ação de impeachment que está em julgamento, cada revelação envolvendo a presidente com os escândalos da Petrobras retira dela o único ativo que ainda tenta explorar, a de que uma mulher honesta está sendo condenada por um bando de ladrões. Ladrões e picaretas a quem ela, num gesto magnânimo, ontem ofereceu o diálogo se vencer no domingo.
Segregada no Palácio Alvorada, cercada por movimentos sociais como o MST, a UNE, a CUT, que prometem permanecer em vigília, a presidente Dilma tentará manter a resistência ao que quer registrar na história como um golpe. Essa disposição, no entanto, tende a arrefecer diante da realidade que continuará se desenrolando longe de seu abrigo de presidente afastada.
Ter se classificado ontem como “carta fora do baralho” se perder a disputa no plenário domingo pode demonstrar que essa resistência não será tão intensa quanto alguns preveem. Talvez até mesmo o PT prefira abreviar essa espera para partir para a oposição contra o novo governo Temer, sem ter que ter ao mesmo tempo o ônus de continuar apoiando Dilma.