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Diálogo impossível

 

A presidente Dilma, cada vez mais acuada pelos fatos, é uma guerrilheira da retórica quando está em comícios fechados com sua claque, e uma estadista quando em cerimônias públicas. No palanque, especialmente no Palácio do Planalto, que transformou em seu escritório eleitoral, onde apenas petistas e assemelhados são permitidos, Dilma, além da confusão verbal que lhe é característica, chama de golpistas os adversários políticos e abusa da luta política para tentar marcar a narrativa que sustenta hoje o PT.

A de que o partido está sendo perseguido por ser o defensor do povo, e que o pedido de impeachment é um golpe parlamentar. Como se a elite perversa quisesse reverter as conquistas alcançadas pelos governos petistas nos últimos 14 anos.

Vive ainda no passado recente, quando o mundo crescia a tal ponto que todos os países emergentes melhoraram a distribuição de renda e retiraram da pobreza milhões de pessoas. Finge que não sabe que esse passado já não existe mais, e que, se insistir em permanecer à frente do governo, o país acabará revertendo ao que era há uma década, o que já acontece em muitos setores, especialmente na renda média do brasileiro.

Nas raras aparições públicas em que são mínimas as possibilidades de ser vaiada, a presidente lança apelos ao entendimento, como fez ao discursar na inauguração do Estádio Aquático Olímpico, no Rio de Janeiro, ontem. Disse a presidente: “Acho que um clima de quanto pior, melhor não interessa ao país, não interessa à necessária estabilidade econômica e política do país. Se nós somos capazes de fazer uma Olimpíada, se somos capazes de fazer uma paralimpíada, somos capazes de fazer também o nosso país voltar a crescer. Para isso, um elemento é fundamental — o elemento da convergência, o elemento do diálogo e o elemento da parceria.”

A mesma presidente prepotente que, no auge de uma popularidade artificial, desdenhava dos adversários e não raras vezes tratava-os como se fossem seres que viviam em outro planeta, agora vem estender a mão para um diálogo impossível.

O mesmo acontece com o ex-presidente Lula, a quem se atribui a idéia de fazer uma nova Carta ao Povo Brasileiro caso a presidente consiga superar o impeachment, e ele se transforme em chefe do Gabinete Civil.

Em 2002, na campanha presidencial que o levou ao Palácio do Planalto, Lula aceitou escrever um compromisso formal de que manteria a política econômica que seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, implantara com o Plano Real.

Precisava acalmar o mercado financeiro, garantindo que não daria um cavalo de pau na economia, como, aliás, não fez até meados do seu segundo mandato. Agora, diante das dificuldades de Dilma, Lula pretende que sua sucessora repita o gesto, para tentar ganhar apoios para reverter a crise econômica.

Mas há obstáculos intransponíveis à repetição como farsa dessa estratégia. Começando pela confissão do próprio Lula, em 2014, de que se arrependeu de ter feito a Carta ao Povo Brasileiro. Isso por que, a partir da crise de 2008/2009, ele encontrou uma desculpa para adotar o projeto econômico petista, que acabou nessa crise histórica em que estamos envoltos, com o maior período de recessão da República.

A nova matriz econômica, depois de um crescimento de 7,5% em 2010 que permitiu a Lula eleger Dilma como sua sucessora, - e, sabe-se hoje, já financiado pela corrupção da Petrobras -  levou o país à breca quando a fome de Dilma por políticas heterodoxas encontrou-se com a vontade de comer do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega.

Como acreditar que a presidente Dilma quer o diálogo se, além da incapacidade de ouvir o outro, ela não abre mão de suas convicções econômicas que nos levaram onde estamos? Como acreditar que o ex-presidente Lula, arrependido da primeira carta, será o fiador da segunda?

Além do mais, já se foi o tempo em que as visões de PT e PSDB tinham alguma semelhança que permitiriam uma aproximação política efetiva. Hoje, esses pontos em comum, mesmo existentes – como, por exemplo, na rede de apoio social iniciada no governo de Fernando Henrique- já não servem de apoio a um trabalho conjunto, pois a luta política se exacerbou tanto que mesmo falando a mesma língua os dois já não se entendem.

Some-se a isso a circunstância de que o PT está envolvido em uma prática política corrupta que vem sendo desvendada pela Operação Lava Jato, não há espaço para uma aproximação antes de saber quem vai sobrar para fazer o suposto acordo político.  

O Globo, 09/04/2016