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Déjà vu

 

No artigo que escreveu em 2004 para a Revista Jurídica do CEJ (Centro de Estudos Judiciários) do Conselho de Justiça Federal sobre a Operação Mãos Limpas ocorrida na Itália nos anos 1990, o juiz Sérgio Moro a classifica como “uma das mais impressionantes cruzadas judiciárias contra a corrupção política e administrativa”.

Quando destaca “a relevância da democracia para a eficácia da ação judicial no combate à corrupção e suas causas estruturais”, Moro diz que “se encontram presentes várias condições institucionais necessárias para a realização de ação semelhante no Brasil, onde a eficácia do sistema judicial contra os crimes de “colarinho branco”, principalmente o de corrupção, é no mínimo duvidosa”.

Depois disso, já marcado como especialista no combate à lavagem de dinheiro, ele assessorou a ministra Rosa Weber no julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal e hoje está à frente da Operação Lava-Jato, que caiu em seu colo em Curitiba por uma associação de fatores que levaram a investigação quase banal de doleiros ao centro de um dos maiores escândalos de corrupção política do mundo, como o caso da Petrobras foi classificado recentemente pela ONG Transparência Internacional.

No artigo ele analisa o caso de Bettino Craxi, líder do Partido Socialista Italiano (PSI) e ex-primeiro-ministro, um dos principais alvos da Operação Mãos Limpas. Moro ressalta que Craxi, já ameaçado pelas investigações e depois de negar várias vezes seu envolvimento, reconheceu cinicamente a prática disseminada das doações partidárias ilegais em famoso discurso no Parlamento italiano, em 3/7/ 1992, usando argumentos muito semelhantes aos que o PT vem usando:

 “(...) Mais, abaixo da cobertura do financiamento irregular dos partidos, casos de corrupção e extorsão floresceram e tornaram-se interligados. (...) O que é necessário dizer e que, de todo modo, todo mundo sabe, é que a maior parte do financiamento da política é irregular ou ilegal. Os partidos e aqueles que dependem da máquina partidária (grande, média ou pequena), de jornais, de propaganda, atividades associativas ou promocionais... têm recorrido a recursos adicionais irregulares. (...) 

Em dezembro de 1992, relata Moro, Craxi recebeu seu primeiro avviso di garanzia, um documento de dezoito páginas, no qual era acusado de corrupção, extorsão e violação da lei reguladora do financiamento de campanhas. A acusação tinha por base, entre outras provas, a confissão de Salvatore Ligresti, suposto amigo pessoal de Craxi preso em julho de 1992, de que o grupo empresarial de sua propriedade teria pago aproximadamente US$ 500.000,00 desde 1985 ao PSI para ingressar e manter-se em grupo de empresários amigos do PSI.

Na segunda semana de janeiro de 1993, Craxi recebeu o segundo avviso di garanzia, com acusações de que a propina teria também como beneficiário o próprio Craxi, e não só o PSI.

Os pagamentos seriam feitos a Silvano Larini, que seria amigo próximo de Craxi. Larini e Filippo Panseca seriam os proprietários da empresa da qual Craxi alugaria suas mansões opulentas em Como e Hammamet. Craxi ainda recebeu novos avviso de garanzia antes de renunciar ao posto de líder do PSI em fevereiro de 1993. Sua popularidade logo se transformou em repúdio, e certa ocasião foi alvejado por uma chuva de moedas na rua. 

Também viu seu nome envolvido no escândalo da Enimont, empresa química formada por joint venture da ENI (Ente Nazionale Idrocarburi), a empresa petrolífera estatal italiana, e a Montedision, empresa química subsidiária do grupo Ferruzi (considerado o segundo maior da Itália após a FIAT). O governo acabou comprando a parte da empresa privada, mas a preço superestimado que gerou o pagamento de cerca de cem milhões de dólares a vários líderes políticos, dentre eles Craxi.

A operação mani pulite também revelou que a ENI funcionaria como uma fonte de financiamento ilegal para os partidos, teria efetuado pagamentos mensais aos principais partidos políticos durante anos. Bettino Craxi, diante das acusações e posteriores condenações, auto-exilou-se, em 1994, na Tunísia, onde veio a falecer no ano 2000.  

O PSI sofreu uma grave crise financeira e em 94 o 470 Congresso resolveu dissolver o partido. Seus seguidores acabam divididos ente o Forza Italia, de centro direita, liderado por Berlusconi, e o Partido Democrático, de esquerda. Mais tarde (98) surge o Socialisti e Democratici Italiani, e em 2009 voltou a ser o PSI. 

O Globo, 08/03/2016