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Público e privado

 

Duas reuniões importantes da cúpula petista, dos conselhos do PT e do Instituto Lula, tiveram curiosa reversão de expectativas nos últimos dias. Nos dois casos foram anunciadas como temas prioritários supostas “ameaças crescentes ao Estado Democrático de Direito”, e o que seria uma “ofensiva reacionária para criminalizar o PT e a escalada de ataques ao companheiro Lula”.

Muitos dos integrantes dos dois conselhos entraram nas reuniões brandindo palavras de ordem contra os Procuradores da Lava-Jato, o juiz Moro e a mídia golpista. Mas sintomaticamente todos saíram de boca fechada. O mais esdrúxulo papel foi o do presidente do PT, obrigado a desmentir uma nota oficial assinada por ele mesmo, dizendo que não fora discutida uma linha de defesa do presidente Lula.

Na reunião do Instituto Lula, os advogados do ex-presidente, que não fazem parte do Conselho, estavam presentes, mas oficialmente não se tratou dos casos do triplex do Guarujá nem do sítio de Atibaia. Claro que esse recuo representa uma estratégia desenhada pelos advogados de Lula, para parecer que o ex-presidente não está fragilizado. Mas tudo indica que tem a ver também com a necessidade de mudar o estranho papel que o Instituto Lula vinha assumindo, tendo se destacado na defesa do ex-presidente.

Trata-se, na opinião de advogados, de uma situação curiosa e, ao mesmo tempo, paradoxal, pois inverte o papel que se deveria esperar de uma entidade que anuncia não possuir fins lucrativos e contar com objetivos sociais e políticos nobres, desvinculados de qualquer coloração partidária.

De acordo com o site do instituto, o "principal eixo de atuação do Instituto Lula é a cooperação do Brasil com a África e a América Latina. O exercício pleno da democracia e a inclusão social, aliada ao desenvolvimento econômico, estão entre as principais realizações do governo Lula que o Instituto pretende estimular em outros países".

O Instituto Lula também trabalha na construção de um museu para contar a história do Brasil, a partir da experiência dos movimentos sociais. Com o nome de Memorial da Democracia, sua concepção está sendo baseada em projetos modernos, nos quais a interatividade é mote central. De acordo com seu estatuto, o Instituto Lula tem compromisso com o desenvolvimento nacional e a redução de desigualdades, visando o progresso socioeconômico do país, assim como com o estudo e  compartilhamento de políticas públicas e privadas destinadas à erradicação da extrema pobreza e da fome, ao acesso à educação,  à promoção da igualdade, à universalização da Saúde,ao desenvolvimento com sustentabilidade ambiental, ao fomento à participação política e social dos cidadãos em todas as esferas da vida pública nacional.

O Instituto Lula afirma que não tem fins lucrativos e é independente de estados, partidos políticos ou organizações religiosas. A manutenção de seus trabalhos é garantida por meio de doações de empresas e pessoas que se identificam com os objetivos da entidade. Portanto, dentre as finalidades ostensivas do Instituto, não consta a possibilidade de patrocínio da defesa judicial dos interesses privados do ex-presidente Lula, tais como o custeio de processos judiciais ou de defesas em inquéritos policiais, investigações criminais ou em ações de improbidade administrativa ou inquéritos civis. 

 À medida em que se aprofundam as suspeitas sobre a atuação e envolvimento do ex-presidente Lula em negócios polêmicos, remetendo a relações espúrias com empreiteiras e empresas investigadas e condenadas na operação Lava -Jato, tem chamado a atenção de advogados a atuação ostensiva do Instituto. 

Se houvesse patrocínio privado de interesses de Lula para mera defesa em processos pessoais, com recursos de doadores, poderia se caracterizar ofensa à proibição de perseguir fins lucrativos, na medida em que, ao assim proceder, o instituto estaria inequivocamente atuando em prol de interesses econômicos de membros do PT, ou de políticos, os quais tem condições financeiras de custear seus próprios advogados. 

Mais uma vez aparece a confusão entre a figura institucional de um ex-presidente da República e sua vida privada.  

O Globo, 17/02/2016