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Saudade do futuro

 

Se isso é o que nos oferece o presente e se é inútil tentar reviver o passado, o jeito é fugir pra frente, nem que seja sob a forma dos meus dois netinhos, Alice e Eric

Sempre procurei adotar a filosofia do carpe diem, a que manda aproveitar o dia de hoje, curtir o aqui e agora. Em outras palavras, “Meu tempo é hoje”, da bela canção de Paulinho da Viola. Não se trata de renegar o passado, não é isso. Ainda há pouco critiquei a amnésia crônica do país que, por esquecimento, acaba repetindo os erros do passado. Como a memória é seletiva, a gente se apega à lembrança do melhor vivido e tende a uma melancólica nostalgia, achando que “no meu tempo” tudo era melhor. O problema é que o presente atual, para usar um pleonasmo, não está nada convidativo. Enquanto escrevo, vejo algumas primeiras páginas de jornal com títulos assim: “Casos de microcefalia já passam de 4 mil no país”, “Rio tem 158 casos de dengue por dia”, “Crise faz hospital antecipar altas”, “Avanço de zika alarma o mundo”, “Epidemia de zika no Brasil preocupa”. Se isso é o que nos oferece o presente e se é inútil tentar reviver o passado, o jeito é fugir pra frente, é viajar para o futuro, nem que seja sob a forma dos meus dois netinhos, Alice e Eric.

A propósito e para não perder os leitores que, sob a liderança de Marcos Vilaça, só leem a coluna quando ela fala de Alice, vou contar a última dela, que já está escolhendo o que vai ser quando crescer — se cantora, escritora ou diretora de cinema. Como cantora, bem ou mal, já se apresenta nos shows que faz em casa. Escritora, de certa maneira, também. Já ditou alguns livros, de uma página cada. Um se chama “Guerra dos mares”, uma tragédia que, segundo a autora, foi “pior do que a Primeira e a Segunda Guerra Mundial e afogou muita gente”. Do que eu mais gosto é de “A família das borboletas”, que começa assim: “Era uma vez a margarida que não era uma flor, era o nome de uma borboleta. Um dia ela quis ter um filho. Ela se lembrou que na quinta era o dia de adoção de cachorros pelas borboletas”.

Ultimamente, ela se dedica ao cinema como roteirista e diretora, filmando com o iPad. O elenco é formado pelos “artistas” da família, destacando-se os pais como protagonistas que, conforme prevê o roteiro, terminariam se beijando. No ensaio, alguém quis saber se era “um selinho?”, e a diretora replicou impaciente: “Claro que não. É um beijo com barulho”. O que mais me impressiona nessa geração a que o futuro pertence é a precocidade, além do repertório vocabular e conceitual. Tem sempre uma novidade. Outro dia surpreendi Alice e uma amiga discutindo, no meio de uma brincadeira, o que seria melhor, se “tecnologia ou imaginação”. Agora, ela veio com essa do beijo com barulho. Acho que equivale ao “chupão” da minha época. Só que a gente falava disso na adolescência, não aos 6 anos de idade.

O Globo, 30/01/2016