Até agora, não me convenci da moralidade e eficiência da delação premiada, a não ser em caso de guerra declarada contra o inimigo real. Fora disso, a delação pode ser confundida com a tortura ou a chantagem. Há um ditado antigo: condena-se o delatado e despreza-se o delator.
Ao longo da história e da lenda, são muitos casos de delação premiada ou não. O mais famoso e miserável foi a delação premiada de Judas Iscariotes, entregando seu mestre e amigo à sanha de seus inimigos. Foi uma delação premiada por uma ninharia de 30 moedas, porque o delator sentiu a enormidade de sua delação, indicando aos soldados romanos um "inocente" que seus inimigos exigiam a morte. Judas tornou-se o logotipo da traição e da ingratidão.
Sei o que estou falando. No fim das férias, lá no seminário onde estudei, os padres promoviam um teatrinho entre os alunos. Os bem dotados ficavam com os papeis principais e simpáticos. Por consenso geral, o Judas era sempre eu. Como todos os personagens eram barbados, padre Tapajós improvisou barbas de espigas de milho, que era abundante na fazenda. Enegrecidas pelas cinzas do forno do nosso padeiro, Zé Bolacha, dava para quebrar o galho. Ficávamos parecidos com os personagens da Renascença.
Minha única ação era beijar o Salvador, que tinha uma barba maior do que a minha. Apesar dos ensaios, em cena fui desastroso: beijei o Redentor de mau jeito, fiquei com a sua barba pendurada na minha. Mesmo com a seriedade daquela ação descrita nos evangelhos, recebi uma vaia maior e letal.
Deixei o Nazareno imberbe para ser açoitado pelos esbirros de Herodes, passar pelo vexame de Pilatos, quando nem soube responder o que era a verdade.
Pior do que a vaia, a cortina fechou o palco e eu fiquei sem receber minhas 30 moedas.