A primeira manhã deste novo ano não foi das melhores para mim. É que minha gata, chamada Gatinha, sumiu.
Moro em Copacabana, a uma quadra e meia da praia e a uma quadra do Copacabana Palace, isto é, não muito longe do palanque e do local onde se realizam os shows do final do ano. Ali se junta uma multidão de espectadores. Não preciso dizer o que acontece à meia-noite do dia 31 de dezembro, quando se deflagra o fulgurante espetáculo da queima de fogos, comemorativo da passagem do ano.
Maravilha! Mas nem tudo é de fato maravilhoso para quem, como eu, mora onde moro.
Mal anoitece e as pessoas, às dezenas, às centenas, começam a passar sob minha janela em direção à praia. E esse número vai crescendo à medida que se aproxima da meia-noite. Já eu, aqui no meu apartamento, mal suportando o calor infernal, não tenho como ir para a casa de alguém, nem ninguém consegue vir para minha casa.
O bairro está praticamente fechado. Cláudia, minha companheira, que mora no Flamengo, não teve como vir até aqui a pé, já que a distância é grande e o calor insuportável. Lamentamos a situação por telefone e decidimos, dentro em breve, mudar de bairros.
Conversa de tempo de crise. A verdade é que minha neta Celeste e seus dois filhos, que já estavam no bairro, vieram para cá e aqui ficaram até pouco antes do foguetório, quando foram para a avenida Atlântica. Eu, que não suporto barulho, fiquei aqui mesmo, vendo o espetáculo pela televisão.
O locutor afirmava que 2 milhões de pessoas ocupavam a praia de Copacabana para assistir à queima de fogos. Exagero. A televisão, anos atrás, afirmava que eram 1 milhão de espectadores; depois, passou para 1 milhão e meio e, nos últimos anos, aumentou para 2 milhões. Mas parece que vai parar por aí porque, senão, em breve haverá mais gente assistindo ao foguetório do que a população da cidade.
É uma mentira sem importância, mas pega mal para um veículo cuja função é informar o público, e não enganá-lo. A consequência foi que, este ano, passaram a afirmar que, no Réveillon de Salvador, havia 1 milhão e meio e, em Fortaleza, 1 milhão...
A verdade é que a avenida Atlântica mede 3.800 metros de extensão, e que a grande concentração de gente é em frente ao Copacabana Palace, onde fica o palco. O resto da avenida tem muito menos gente, dispersa pelas pistas e calçadas próximas aos edifícios. Parte desse espaço é também ocupada por ambulâncias, camburões e mesas e cadeiras dos restaurantes e bares. Pelas contas que fiz, mesmo que toda a avenida estivesse ocupada só por gente, esse total não alcançaria 500 mil pessoas. Quando se sabe que dez Maracanãs lotados somam 750 mil, não há o que discutir.
Mas deixa para lá. O que importa mesmo é que o foguetório deste ano bateu todos os recordes de explosões, atordoando os moradores do bairro, particularmente os que, como eu, residem perto da praia. Na sala, onde fiquei vendo o espetáculo pela televisão, o barulho era suportável, mas quando fui até a área de serviço, nos fundos do apartamento, levei um susto, tal o impacto das explosões que parecia um bombardeio aéreo.
Foi quando entendi por que a gatinha sumira. Se quando soa a campainha da porta ela se assusta e corre para o quarto dos fundos, o que não terá pensado ao ouvir aquelas explosões terríveis?
Coitadinha, pensei comigo. E saí a sua procura. Fui até o meu quarto onde durmo e ela também. Espiei debaixo da cama, ela não estava. Espiei debaixo do guarda-roupa, também não estava lá. Quem sabe ela se escondeu atrás da mesa de cabeceira, ou embaixo da televisão ou...
Não estava em parte alguma. Comecei a ficar grilado. Pode ser que esteja no escritório, pensei, e fui até lá. Também não estava. Por via das dúvidas, procurei-a nos dois outros quartos, onde ela não vai nunca. Nem sinal.
Assustado, voltei para a sala, sentei-me na poltrona e fiquei a pensar. Fugir, não fugiu, porque as portas estavam trancadas. Será que morreu de susto?
Foi então que ela surgiu na sala, soltou um miado e pulou no meu colo, ronronando. Abracei-a, aliviado.