O jurista Joaquim Falcão, em recente entrevista ao jornal Valor, recomendou que ninguém se precipite em tirar conclusões sobre o resultado o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o rito do impeachment “pois esse é um longo processo, com muita incerteza no ar”. De fato, os embargos de declaração que serão impetrados no STF pelo (ainda) presidente da Câmara Eduardo Cunha e por partidos de oposição, por seus efeitos infringentes (modificativos), poderão alterar o resultado do julgamento.
Mais uma vez estará como ponto central da disputa a figura de Eduardo Cunha, a quem o ministro Luis Roberto Barroso, que liderou a divergência ao voto do relator Luiz Fachin, acusou de ter atuado como o dono da bola que decide alterar as regras em meio ao jogo.
No fundo, segundo juristas ouvidos, discutir normas regimentais é um pântano que o Supremo deveria evitar sempre que possível -- e não apenas para preservar o poder da Câmara de interpretar sua própria organização interna. Essas normas são complexas, potencialmente contraditórias, e cheias de problemas ocultos.
E, é claro, Cunha sabe tudo de Regimento e Barroso desceu a um grande nível de detalhe regimental, sobretudo no voto escrito.
Juristas vêem um possível problema interno no argumento de Barroso: De um lado, ele diz que, pelo artigo 33 do Regimento Interno da Câmara, conforme autorizado pela Constituição e em respeito à autonomia partidária (ponto que enfatizou no voto na sessão de dezembro), a Comissão Especial não é escolhida, mas sim designada pelos líderes.
De outro, porém, ele enfatiza que neste caso a Comissão deve ser eleita por voto aberto, alegando que gostaria de seguir o rito definido pelo STF para o impeachment do ex-presidente Collor. Naquela ocasião, houve um consenso partidário em torno dos nomes para montar a Comissão, sem necessidade de disputa, e a votação foi por voto simbólico.
Se quem designa são os líderes, é estranho que haja eleição no Plenário para escolher esses membros. Além do mais, esse entendimento não é necessariamente algo com que todos os Ministros que votaram com Barroso concordam. “Simplesmente não há eleição alguma", afirma Barroso a certa altura de seu voto.
Mas o advogado Jorge Beja, do Rio, notou uma incongruência na ata aprovada por todos os ministros do STF, referente à sessão dos dias 16 e 17 de Dezembro passado. Na ata, o resumo da decisão é diametralmente outro. Diz: "Quanto à cautelar incidental (forma de votação), por maioria, deferiu-se integralmente o pedido para reconhecer que a eleição da comissão especial somente pode se dar por voto aberto, vencidos os ministros Edson Fachin, Teori Zavascki, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso Mello". Note-se que que se todos eles mantiverem suas posições, basta que um dos ministros que votou com Barroso mude seu voto para que a decisão seja revertida.
O que a ata do Supremo parece sugerir é que nem todos os Ministros endossam os argumentos regimentais que o Barroso usou. Há, além disso, uma questão que certamente será explorada por Cunha: a Constituição, no art. 58, refere-se à formação de comissões permanentes e temporárias, indicando que devam ser constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento interno (seja da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal) “ou no ato de que resultar sua criação”.
A alegação da Câmara será que a formação da Comissão Especial foi realizada conforme o art. 218, §2º, que trata especificamente de impeachment: “Recebida a denúncia pelo Presidente, verificada a existência dos requisitos de que trata o parágrafo anterior, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada à Comissão Especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os Partidos”. Por que usar o artigo 33, que fala genericamente nas comissões temporárias, quando há um artigo específicoi sobre impeachment?
E o artigo 188 determina quais são os casos em que não pode haver "votação secreta", sem incluir a formação da Comissão especial do impeachment. Logo, alegam especialistas que apóiam a decisão de Eduardo Cunha, não poderia o STF estabelecer que não haverá eleição para a formação dessa comissão especial, ou seja, que não haverá candidaturas, mas apenas uma única comissão especial nomeada por indicação de líderes partidários.
E, muito menos, também não poderia o STF estabelecer que alguma votação que se faça em relação a essa comissão especial não possa ser secreta. Se assim o fizer, o STF estará violando suas atribuições constitucionais e passando a atuar como Poder Legislativo, já que estaria acrescentando mais um inciso ao §2º do art. 188 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
Resta a explicação de Luis Roberto Barroso de que a “eleita” pode significar “escolhida” segundo alguns dicionários. Mas esta é uma discussão mais de filologia do que jurídica.