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O Rio que eu não rio

 

As coisas não andam bem aqui no Rio de Janeiro, apesar da lama de Mariana não ter chegado ainda a outro rio, o Comprido, filete de água em cujas margens vivi e estudei durante dez santificados anos no seminário onde traduzi o "Pro Milone", o melhor discurso de Cícero, apesar de as Catilinárias serem mais famosas e de estarem em evidência por causa da Operação Lava Jato.

O Estado não tem dinheiro nem para pagar o seu funcionalismo –o 13º salário será parcelado. A baía continua poluída, ameaçando a realização náutica da Olimpíada. A violência tornou-se maior, em maio, na Lagoa Rodrigo de Freitas, um médico foi esfaqueado e morto por menores, que roubaram sua bicicleta.

O Complexo do Alemão, não fosse a tragédia da Síria, seria o principal motivo para indignação universal.

Os restaurantes estão vazios, bem como os supermercados e os shoppings. Outro dia, fui almoçar em um restaurante badalado que vivia sempre cheio. Fiquei sozinho com dois amigos o tempo todo. Ao sair, chegou um casal que, diante da desolação do ambiente, nem passou pela porta. Talvez pela minha cara sinistra.

Imensos navios de cruzeiro, trazendo os turistas para o Réveillon, ficam ancorados no porto e poucos passageiros se atrevem a descer, apesar da remodelação da Praça Mauá, que, por acaso, está muito bonita.

Até a árvore de Natal, que durante as festas de fim de ano, é um dos atrativos da cidade, despencou no meio da Lagoa, colocando em risco os barcos de pescadores e esporte. Apesar de tudo, o Rio continua lindo, enfrentando um calor desumano e a trágica situação da rede hospitalar.

Já comentei que os doentes que se internam nos hospitais do Estado precisam levar o algodão, o esparadrapo e as seringas. Aqueles que sofrem de cirrose hepática terão de levar um fígado, dentro do prazo de validade.

Folha de São Paulo (RJ), 29/12/2015