O brasileiro talvez não seja mais corrupto do que o americano, o francês ou o argentino, mas é, ou era, o que mais tinha a sensação de que nada acontecia aos poderosos
Com a corrupção sendo considerada, pela primeira vez, como o maior problema do país, cai por terra a teoria cínica de que o povo está pouco ligando para quem rouba ou deixa de roubar, só se interessando pela economia, ou seja, pelo seu próprio bolso. O tema escolhido por 34% dos entrevistados, à frente da saúde (16%), desemprego (10%), violência e educação (ambos com 8%) na recente pesquisa do Datafolha, leva a Lava-Jato a adquirir ainda mais importância por ter exposto ao público de forma inédita as tenebrosas transações entre servidores, políticos e empresários. Não era objeto do levantamento, mas se fosse, talvez ficasse evidente a percepção de que a operação do juiz Sérgio Moro, além de atacar o mal, traz consigo o melhor remédio contra a principal causa: o combate à impunidade. O brasileiro talvez não seja mais corrupto do que o americano, o francês ou o argentino, mas é, ou era, o que mais tinha a sensação de que nada acontecia aos poderosos que assaltavam os cofres públicos. A impunidade podia ter entrado na canção “Coisas nossas”, em que Noel Rosa cantou algumas peculiaridades nativas. “O samba, a prontidão/ E outras bossas/ São nossas coisas, são coisas nossas!”. Ele incluiu o “prestamista e o vigarista”, que já agiam 80 anos atrás. Estranhamente, não falou da jabuticaba, que é o produto mais lembrado quando se quer dar exemplo de algo genuinamente brasileiro.
Mas voltando à corrupção. Durante muito tempo, se disse que ela tinha vindo junto com Pedro Álvares Cabral, já que o escrivão da frota, Pero Vaz de Caminha, na carta ao rei anunciando a Descoberta, teria contrabandeado um pedido de emprego para um parente seu. Portugal nunca se conformou com a tentativa de atribuir-lhe a inauguração do nepotismo na colônia. Um embaixador chegou a escrever artigo desmentindo a versão, alegando que o texto fora deturpado. “O que ele (Caminha) pede, sim, é um favor ao rei. Seu genro Jorge de Osório, criminoso, estava preso na Ilha de São Tomé, desterrado. Segundo ainda o diplomata. Caminha solicita ao monarca que “lhe faça singular mercê de mandar vir da ilha para Lisboa o genro arruaceiro”. Tudo bem, não foi pedido de emprego, mas o início de uma prática ainda em voga hoje: o uso do pistolão e do privilégio para obter uma “mercê”, que pode começar com uma transferenciazinha e chegar até a criação de um propinoduto. De qualquer maneira, o fato é que há pragas que surgidas aqui ou vindas de fora, como o Aedes aegypti (oriundo da África, como diz o nome), se adaptam muito bem ao nosso território físico e aos costumes morais. Acabam sendo como nossas.
Em compensação, é legítima coisa nossa, além da jabuticaba, uma juíza como a Cármen Lúci(d)a. Data Vênia.