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Atrás da prova concreta

 

Antes de representar um atestado de inocência de Lula, as ressalvas com relação a ele feitas pelo juiz Sérgio Moro na decretação da prisão do pecuarista José Carlos Bumlai significam que ainda não foi possível chegar a uma prova concreta que determine com firmeza o envolvimento do ex-presidente nos fatos que estão sendo investigados, embora ele seja presença freqüente nas colaborações premiadas e sujeito oculto nas tramas que estão sendo reveladas.

Mas, como se comenta nos bastidores da Operação Lava-Jato, “Lula é alguém em que você não pode dar uma mordida na perna. Se sair tem que ser para engolir”. Há uma norma entre os componentes da Operação: só se acusa alguém quando há provas para condená-lo. No caso de Lula, há familiares que estão sendo investigados, pessoas no entorno envolvidas, como Bumlai, sendo provável que as coisas amadureçam em algum momento.

  Diante de tudo que tem vindo a público, é bem possível que em algum momento alguém em Curitiba, ou em Brasília, ou na Operação Zelotes, chegue a essa prova concreta. Os investigadores da Lava-Jato estão encontrando mais dificuldades em achar indícios que levem à prisão políticos, que tomam mais precauções do que os demais envolvidos no escândalo.

Uma constatação é que todo mundo deixou rastros, mas vários políticos não deixaram, por isso o grupo de Brasília está penando, tendo uma dificuldade muito grande para trabalhar, bem maior do que a que estão tendo os procuradores em Curitiba. Por isso também a colaboração premiada é muito importante, mas nenhum dos políticos fez acordo até agora. Fala-se que o ex-deputado Pedro Correa estaria negociando, mas ainda não fechou.

Os políticos geralmente recebem em espécie, e há mais dificuldade para rastrear o dinheiro. A denúncia tem que ser feita na base de provas circunstanciais, encontros, telefonemas, etc. O caso da Operação Passe Livre é típico, a começar pela associação com o passe-livre que o pecuarista tinha no Palácio do Planalto e foi fotografado na portaria. Os petistas como Paulo Okamoto tentam agora dizer que nunca houve tal permissão, e que Bumlai não era tão amigo assim de Lula.

Bumlai é acusado de ter tomado um empréstimo de R$ 12 milhões junto ao banco Schahin e repassado o dinheiro para o Partido dos Trabalhadores. Esse empréstimo teria tido “a benção de Lula”, segundo afirmação do tesoureiro do PT João Vaccari ao dono do banco. O empréstimo teria sido perdoado pelo banco, que recebeu em troca, um contrato da Petrobras.

A história desse empréstimo já fora revelada pelo publicitário Marcos Valério em 2012, quando tentou fazer uma tardia delação premiada no caso do mensalão. Na sua versão, Bumlai teria repassado dinheiro a um empresário de Santo André, Ronan Pinto, para que ele não revelasse nomes de petistas que estariam envolvidos na morte do então prefeito Celso Daniel, em 2002.  "O destino final dos R$ 12 milhões ainda é controverso", dizem os Procuradores. A Receita Federal, porém, segundo o site O Antagonista, quebrou o sigilo bancário de Ronan e constatou que ele recebeu um empréstimo no valor de R$ 6 milhões na mesma época, para comprar o jornal Diário do Grande ABC

Os Procuradores da Operação Lava-Jato estão aguardando também informações do exterior para aprofundar as investigações. Quando o Procurador-Geral suíço veio ao Brasil, falou que haviam sido identificadas 300 contas brasileiras, mas até agora vieram menos de 20 delas, e as dificuldades se devem ao processo suíço de liberação de contas, que é demorado.

Todas essas questões emperram as investigações e angustiam os Procuradores, que têm que enfrentar as diversas versões que são espalhadas para prejudicá-las. Querem evitar o que aconteceu na Operação Mãos Limpas na Itália, que teve um grande apoio da população durante muito tempo, mas o volume de acusações que nunca foram provadas foi suficiente, com o tempo, para tirar o apoio da opinião pública.

Em vez de terem aprovado reformas que evitariam a corrupção, na Itália acabou se assistindo a uma reação do sistema, dos próprios investigados, pessoas poderosas e influentes, e foram aprovadas leis para garantir a impunidade. Por isso os Procuradores apresentaram as "10 medidas contra a corrupção", que pretendem apresentar como projeto de iniciativa popular. Já tem quase 700 mil assinaturas, e precisa de 1 milhão e 500 mil.

Esse ambiente de tensão permanente não permite que deem um passo em falso na Operação Lava-Jato com figuras influentes, mas eles têm noção de que, se depois de todos os fatos apurados, todas as delações confirmando relatos distintos, todos os indícios levantados, não se sentirem em condições de fazer uma denúncia contra Lula, será o mesmo que dar a ele um atestado de inocência.

O ex-presidente sairá desse inferno astral com um discurso de que foi investigado, perseguido, e nada contra ele foi encontrado. Os Procuradores garantem, porém, que na hora em que tiverem condições de oferecer uma acusação formal, oferecerão, sem constrangimentos políticos.

O Globo, 25/11/2015