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A lama do rio e o mar de lama

 

A Lava-Jato está recuperando o tempo perdido e fazendo justiça, graças à Polícia Federal, ao Ministério Público e ao Judiciário na pessoa do juiz Sérgio Moro.

Com licença da inevitável analogia, a lama tem sido a imagem mais adequada para um certo Brasil que nos enche de vergonha: a propriamente dita das barragens que arrasaram cidades, soterraram pessoas e poluíram o Rio Doce, e a que, como força de expressão, continua escorrendo da operação Lava-Jato, atualizando uma velha metáfora da nossa política, a do famoso “mar de lama” que procurava descrever o ambiente de corrupção em 1954, no governo Getúlio Vargas. Nos dois casos, o incrível acúmulo de dejetos — os minerais, num caso, e os morais, no outro — foi resultado da impunidade. A Lava-Jato pelo menos está recuperando o tempo perdido e fazendo justiça, graças à Polícia Federal, ao Ministério Público e ao Judiciário na pessoa do juiz Sérgio Moro. Ao condenar e ao mandar para a prisão quem nunca imaginava ir, o exemplo pode servir de lição, embora ainda haja os que se julgam inatingíveis, como o presidente da Câmara, que debocha: “Todos os dias, faz quatro meses, esses mesmos articulistas falam que vou cair e estou aqui”. Todo respingado, mas impune, poderia acrescentar.

Quanto à tragédia de Mariana, a responsabilidade criminal depende de demoradas investigações para determinar os graus de imperícia, negligência e dolo. A Samarco não tinha plano de contingência e sequer deu sinais de alarme. Seis horas depois do estouro das barragens, as comunidades no trajeto da lama ainda não tinham sido avisadas. Ao sobrevoar a região uma semana após o acidente, a presidente Dilma anunciou que o Ibama iria aplicar multa de R$ 250 milhões à mineradora por danos ambientais. Mas um relatório do órgão para o TCU informa que só 3% das multas são de fato pagas. De cada R$ 100 cobrados pelo instituto, só R$ 3 entram nos cofres do governo. E é uma praxe. De janeiro de 2011 a setembro de 2015, por exemplo, foram autuadas em R$ 16,5 bilhões empresas que emitiram gases poluidores e petroleiras que derramaram óleo no mar. Mas menos de R$ 500 milhões acabaram efetivamente pagos. As companhias dispõem de recursos judiciais e, com bons advogados, conseguem evitar ou protelar indefinidamente o pagamento devido.

Diante desse histórico, especialistas sugerem outro instrumento que é usado com êxito contra empresas poluidoras como madeireiras que atuam na Amazônia. Trata-se de interferir no patrimônio das infratoras por meio de embargo, interdição ou suspensão do registro de funcionamento. Só que, no caso, a Samarco é controlada pela anglo-australiana BHP, tida como a maior mineradora do mundo, e pela maior do Brasil, a Vale do Rio Doce — um nome, aliás, que nessa altura soa como uma amarga ironia.

O Globo, 25/11/2015