Os ataques coordenados na sexta-feira 13 em Paris, assumidos pelo Estado Islâmico como uma reação à participação militar da França no combate ao terrorismo são vistos por especialistas como uma etapa a mais da ação horizontalizada de células autônomas, imaginadas pelo ideólogo sírio Abu Mussab Al-Souri, um veterano da Al-Qaeda, que lançou as bases desse novo tipo de terrorismo, muito mais difícil de ser detectado pelos serviços de inteligência.
Uma das maiores autoridades internacionais sobre terrorismo islâmico, o francês Gilles Kepel, autor do livro "Terror e martírio", onde revela os pontos principais de um libelo de Al-Souri pela resistência islâmica mundial, estuda esse novo terror utilizado pelo Estado Islâmico e divide a sua atuação em dois níveis: no mundo virtual, usando as mídias sociais, e no mundo real, na guerra na Síria.
Através do Facebook, You Tube e Twitter eles cooptam jovens para matar em suas próprias cidades, ou recrutam “soldados” para enviar à Síria/Iraque. Textos de doutrina, sobre escolha de alvos e os métodos, são enviados pelas redes sociais, e os jovens têm autonomia para escolher onde atacar.
Há orientações específicas para ataques a judeus e a organizações a eles ligadas, mas não nas sinagogas. Em abril, Seis pessoas se esconderam numa arca frigorífica de um supermercado ‘kosher’ (judaico) em Paris atacado por terroristas. No Facebook, passou a circular um filme de 2008 em que um grupo ameaçou o Bataclan por dar todo o ano uma festa para a Magav, a polícia de fronteira israelense. Outros alvos são os eventos esportivos, e por isso na sexta-feira houve atentados nos arredores do Stade de France, onde a seleção de futebol jogava com a presença do presidente François Hollande.
O atentado à Maratona de Boston foi também fruto dessa orientação internacional, o que faz com que a segurança dos Jogos Olímpicos no Rio no ano que vem ganhe uma dimensão maior ainda. A 21ª Conferência do Clima (COP 21) que tem início previsto para o dia 30 e até agora está mantida, também é outro grande foco, mas provavelmente os atentados foram feitos na sexta-feira para se antecipar às medidas de segurança extrema que deveriam ser montadas para a reunião do clima da ONU.
O francês Gilles Keppel diz que a Europa é fundamental na estratégia do Estado Islâmico de ganhar as mentes das sociedades árabes e européias, a fim de estabelecer conflitos sociais que levem a uma guerra civil até que o poder total seja conquistado.
Segundo Keppel, o Estado Islâmico provoca o Ocidente para que a reação radical favoreça o surgimento de uma islamofobia que fará com que os árabes e descendentes tenham que escolher o seu lado do conflito. Ele acredita que a guerra real contra o Estado Islâmico acabará sendo vencida pelos países ocidentais, mas a guerra virtual, através das novas tecnologias digitais, continuará sendo desenvolvida em diversos locais por células autônomas.
Para ele, é difícil vencer com bombas uma guerra ideológica que oferece para os jovens uma situação real que se parece em tudo com os joguinhos eletrônicos de realidade virtual que estão acostumados a jogar.
Gilles Keppel diz que o Islã na França é muito amplo, e é preciso vencer essa guerra de domínio dos corações e mentes dos árabes e seus descendentes para neutralizar essa estrutura horizontalizada do Estado Islâmico que, ao contrário da Al-Qaeda, dá aos recrutados capacidade de ação às vezes até mesmo individual e alimenta sonhos de poder.