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Luta política

 

Desde que ficou claro que o tempo da bonança havia passado, e que a popularidade da presidente Dilma se contém em um dígito das pesquisas de opinião, os governistas de maneira geral e os petistas em particular deixaram a arrogância de lado, mas não vestiram as sandálias da humildade.

Eles, que gozavam abertamente os 10% que consideravam o governo ruim ou péssimo quando a esmagadora maioria da população o considerava bom ou ótimo, passaram a exigir dos adversários uma posição que jamais tiveram.

A presidente Dilma, que na noite em que foi reeleita nem sequer mencionou o nome do adversário do segundo turno a quem derrotara por apenas 3% dos votos, depois de ter sido procurada por um Aécio que àquela altura reconhecia a derrota e demonstrava disposição para o diálogo, passou a exigir um comportamento conciliatório da oposição, afirmando em diversas ocasiões que o país não estava dividido.

Mas jamais estendeu a mão para um verdadeiro diálogo, mesmo estando em clara desvantagem na avaliação popular logo depois que as urnas se fecharam e os eleitores descobriram que haviam sido iludidos pelo mundo encantado que o marqueteiro João Santana vendeu sem poder entregar.

A insatisfação com o governo só fez aumentar, e logo seus ministros e principais assessores viram-se constrangidos em locais públicos pelas manifestações de repúdio ao governo e à corrupção.

Não deveria ser assim, mas o clima de disputa permanente foi instalado no país pelo próprio PT que, cego pela hubris, acabou sendo punido pelos deuses da política que não gostam dos arrogantes. Foi Lula quem instituiu o “nós contra eles”, e foi a palavra de ordem do PT até mesmo fora do poder que determinou que os adversários tinham que apanhar “nas urnas e nas ruas”, como anunciou um dia José Dirceu, no tempo em que não estava na cadeia e ainda ditava as ordens no PT.

Em que mundo vivem os 10% que criticam o governo Dilma, perguntavam os áulicos do governo petista, insinuando que era impossível não gostar do PT, ou que apenas os com outros interesses, nada confessáveis, estavam na oposição.

Tornou-se uma ação política comum fazer um “esculacho” contra os adversários do PT, legitimada pelas demonstrações em frente às residências de antigos torturadores.

Quando o clima mudou, logo o PT vestiu-se de vítima de uma direita agressiva, e passou a denunciar uma perseguição ao partido e a Lula e sua família, como se a Justiça, a Polícia Federal e o Ministério Público tivessem feito um acordo para persegui-los.

O mais recente petista de alto escalão a sofrer um “esculacho” foi o ministro do Desenvolvimento Patrus Ananias, que outro dia foi agredido verbalmente por freqüentadores de um restaurante em Belo Horizonte onde almoçava com a família e amigos.  

Ele mesmo trouxe o caso a público, dizendo que reagiu às acusações de corrupção e ameaçou processar o acusador, como fez o ex-ministro Guido Mantega, que ganhou uma retratação de dois empresários que o acusaram de corrupto em ocasiões distintas em São Paulo.

Não deveria acontecer, repito, numa democracia em que todos os direitos fossem respeitados. Mas repito que esse clima de duelo foi instituído pelo próprio PT. O ministro Patrus, um homem afável, deu declarações importantes: "Este não será o país do ódio. Não vai ser o país onde quem grita mais alto tem razão. Este vai continuar sendo o país da democracia, de quem sabe ouvir, compreender e debater".

Deveria ser assim, mas depende, sobretudo, do PT, que há muito instituiu a “luta política” como comportamento cotidiano. Não me esqueço da conversa que tive com o então presidente da Câmara João Paulo Cunha, hoje cumprindo pena em prisão domiciliar, quando o PT levou ao Congresso, no primeiro momento do governo Lula, uma reforma da Previdência que em tudo era compatível com a que o governo Fernando Henrique tentara aprovar, com a oposição sistemática do PT.

Qual a razão dessa mudança?, perguntei. E ele, candidamente: “Luta política”. Hoje o PSDB faz a mesma coisa ao aprovar o fim o fator previdenciário, e assim, de “luta política” em “luta política”, o país vai à breca e as pessoas se digladiam nas ruas.
Esse ambiente social e político estressado é um dos maiores obstáculos à superação da crise em que nos debatemos. Mas a cada dia fica mais distante, pelos fatos que vão sendo revelados, a possibilidade de uma conciliação.

O Globo, 11/11/2015