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Baixa política

 

Exemplar do momento político que vivemos é o apoio de oposição e governo ao presidente da Câmara Eduardo Cunha, por motivos diferentes, é certo, mas baseado na mesma baixa política que há muito vem prevalecendo no nosso presidencialismo de coalizão cansado de uma guerra nada santa.

O fato de os dois principais polos partidários de nossa democracia estarem empenhados, mais ou menos explicitamente, em preservar Cunha, o do governo para impedir o impeachment da presidente Dilma, a oposição na esperança de viabilizá-lo, demonstra quão baixo nível atingimos, a ponto de um político desmoralizado pelos fatos ter ainda fôlego para comandar as ações no Congresso.

Por esse motivo, o país está paralisado, pois as forças que o comandam vivem justamente dessa afasia política. O país está dependente da ação de instituições autônomas do Estado não controláveis pelos poderes políticos momentaneamente no poder, como a Polícia Federal, o Ministério Público, a Receita Federal, o Judiciário de maneira geral, (aí incluídos o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, apesar da tentativa de influência política de quem nomeou os ministros) e operações como a Lava-Jato, Zelotes e outras. Paradoxalmente, isso demonstra que nossa democracia funciona.

É delas que vêm as informações que movimentam a opinião pública e farão, em momento que ainda não se vislumbra mas certamente chegará, com que o Congresso sinta que não há mais espaço para manobras mesquinhas da baixa política.

A oposição errou, e ainda erra, mas agora com menos intensidade, ao jogar todas as suas fichas na antecipação do impeachment, sem aguardar que os trâmites legais sejam concluídos pelo TSE, pelo TCU e pelo Congresso, dando margem a que os governistas, acuados pelos fatos, denunciem a fantasia do golpe democrático, quando o que está em andamento é uma série de investigações que vão montando um triste quadro da dominação através de manipulações criminosas de diversas modalidades, em benefício do partido político no poder e seus apaniguados.

Toda essa teia, que se antevia desde que o mensalão foi descoberto, agora está sendo destrinchada pelas investigações, mostrando um conluio entre agentes públicos e privados de tão vasta dimensão que somente um país anestesiado poderia aceitar sem uma indignação cívica que se reflita nas ruas.

Por outro lado, a indignação nada cívica do ex-presidente Lula com as investigações sobre ele e sua família é tão reveladora do seu caráter autoritário que não espanta que esteja a defender interferência governamental nas ações da Polícia Federal. A presidente Dilma e seu ministro da Justiça José Eduardo Cardozo não o fazem simplesmente por que não podem, mesmo que o quisessem.

Criou-se como blindagem da presidente Dilma a tese de que ela não enriqueceu no poder, o que quer dizer que não pode ser impichada. Como se os crimes de responsabilidade contra o Orçamento que praticou não fossem passíveis de punição prevista na Constituição. Ou como se os indícios cada vez mais claros de que as eleições petistas vêm sendo financiadas por dinheiro da corrupção desde 2006 pelo menos não justificassem a cassação da chapa pelo TSE. Ou não tivesse responsabilidade pela corrupção na Petrobras.

Como a anestesia está aos poucos perdendo o efeito, como demonstram as pesquisas de opinião, é de se esperar que o tempo político acabe se encontrando com o da realidade, esgotando a capacidade de seguir adiante com essa farsa populista que levou o país à bancarrota.
       

Anos de recessão, reafirme-se, provocados por uma política econômica destrambelhada e por abusos do poder econômico para garantir a permanência do mesmo grupo no poder durante décadas, uma dominação do país por ações criminosas que vão sendo desveladas por instituições do Estado que garantem que não nos transformemos em uma República de Bananas como as com que o poderoso chefão do petismo se relaciona em tenebrosas transações políticas e econômicas que agora estão sendo devidamente investigadas.

República de Bananas seremos se continuarmos a aceitar essa imposição de um grupo político sobre o país, e se a Constituição em vigor não puder ser utilizada para dar um basta a essa usurpação a que estamos submetidos. 

O Globo, 03/11/2015