As Nações Unidas, cada vez mais, se interrogam sobre a América Latina, o possível regresso do protagonismo político da região e, nele, sobretudo, a crescente solidão brasileira.
O que está em jogo, hoje, é a pergunta sobre a identidade nacional no continente e sua possível prospectiva, de par com a presença crescente da democracia como garantia do bem-estar social e do respeito aos direitos humanos. Desponta agora, nas eleições argentinas, o retrocesso fundamentalista no próprio partido do governo, no que Scioli, cada vez mais, migra do padrão kirchnerista para reivindicar uma volta dura e quase ortodoxa aos manes do peronismo e à velha mística de Evita.
A certeza, por outro lado, da continuidade presidencial de Morales, na Bolívia, é a marca dessa possível volta às origens identitárias, na reiteração, na presidência, do primeiro índio chegado ao comando do país. Mas é na perda do suposto da democracia, no definitivo amadurecimento cívico do continente, que se vê, cada vez mais, o seu choque com a Venezuela, chegado ao limite da censura à vista internacional das próximas eleições, sob o comando de Maduro. O que está em causa, por aí mesmo, é o desmonte da própria ideia do bolivarismo, levantada por Chávez como marca histórica dos confrontos de dominação e do vis-à-vis com os Estados Unidos. Desse impasse sofre, também, o continuísmo de Correa, no Equador.
Nossa manutenção democrática deixanos, cada vez mais, numa solidão que desborda a América Latina. Aí está a prática dissolução, por exemplo, dos Brics, no empenho em que o velho Terceiro Mundo procurava replicar as clássicas hegemonias das economias dominantes da modernidade. Desapareceu, praticamente, dessa aliança a África do Sul. Da mesma forma, acumula-se a possível tensão entre Brasil e China, sobretudo na presença cada vez maior de Pequim na antiga África portuguesa e na sua crescente ascendência sobre o governo de Angola. Aí estão, também, o crescimento do Pacto do Pacífico e a nova trama de interesses das nações do outro oceano à associação com a China, numa quebra, de vez, das solidariedades continentais. Deparamos, ainda, a diáspora haitiana, trazendo às nossas fronteiras a migração constante, e sem volta, de uma população desamparada das perspectivas de qualquer melhoria social.
Mais avulta ainda esse nosso destaque latino-americano, num marco que só pode ser comparado com a esplêndida democracia chilena, o exemplo demonstrado pelo atual governo, de enfrentamento, dentro do Estado de Direito, de todas as cargas da oposição. Ou, mais ainda, frente a toda ofensiva, já, cansativa, do impeachment, na contradição da permanência do presidente da Câmara, objeto escancarado do probatório internacional de corrupção. Cresce o nosso destaque lá fora, a reconhecer-se que é chegada a hora do Brasil, de vez, e permanentemente, participar do G-20, corpo, de fato, decisório da estabilidade internacional, assegurado pelas Nações Unidas.