Uma vez escrevi que, das minhas histórias dos outros, a mais difícil de contar foi a do garoto Genésio Ferreira da Silva, principal testemunha do caso Chico Mendes que eu trouxe do Acre em 1989 e abriguei em casa para que ele não tivesse o mesmo fim do líder seringueiro. Desprotegido e vulnerável em meio a um clima de guerra entre fazendeiros e seringueiros, ele corria o risco de ser executado pelos mesmos assassinos, já que assistira a toda a conspiração e resolvera informar à Justiça. Ele tinha menos de 14 anos e aos 7 fora entregue pela mãe ao fazendeiro Darly para acabar de criá-lo — justamente o homem que planejara o crime praticado por seu filho Darcy, no dia 22 de dezembro de 1988. Por que Genésio, apesar do ambiente, seguiu o caminho do bem é um mistério que, na falta de outra palavra, atribuo ao instinto.
Antes de voltar dessa cobertura jornalística de mais de um mês, resolvi, com o repórter acreano Élson Martins, “sequestrar” o garoto num pequeno avião alugado, com o conhecimento do juiz de Direito de Xapuri, Adair Longuini, uma espécie de precursor de Sérgio Moro pela coragem de condenar os réus fazendeiros. Entregamos o nosso “refém” à guarda do comandante da PM de Rio Branco, e a operação me dera a sensação de que salvara uma vida. Mas logo depois recebi do coronel um telefonema dizendo que o menino não podia continuar ali, pois descobrira dentro da corporação uma trama para executá-lo. Transferi-lo para o quartel do Exército, como sugeri, não ia garantir sua segurança. A solução era trazê-lo para o Rio.
Genésio permaneceu sob minha tutela até os 21 anos, mas, por medida de precaução, pois se sabia que ele estava comigo, estudava fora, meio às escondidas, e vinha passar as férias e feriados conosco. Produto quase vegetal dos povos da floresta, nunca se adaptou à selva de pedra nem se refez do choque cultural da mudança. Vivia em permanente exílio. Frequentou várias escolas em umas oito cidades diferentes.
Não deixou de ser perseguido por uma saudade visceral de sua terra, por uma recorrente melancolia e pelo assédio incessante do álcool. Aprontou em vários lugares, mas em nenhum momento hesitou em cumprir o arriscado papel de testemunha que o destino lhe reservou.
Muito do que acabo de dizer está no prefácio do livro “Pássaro sem rumo — uma Amazônia chamada Genésio”, escrito por ele e lançado ontem no Rio com a presença dele e da senadora Marina Silva. Fiz a apresentação, mas preferi não lê-lo antes, porque, como personagem, achei que não tinha esse direito. A história é dele, desse pequeno herói.