Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Saudades de Marcantonio

Saudades de Marcantonio

 

Levei à biblioteca da Academia um livro feito de reminiscências, sentimentos, reflexões, em comoventes páginas escritas por uma mãe e de um pai cujos corações sangram todos os dias, desde que um filho amado partiu para a viagem sem volta, ainda no vigor dos seus 37 anos. Imagino que todos já deduziram tratar-se de Saudades de Marcantonio – 2000-2015, que a Senhora Maria do Carmo e seu marido, o nosso confrade Marcos Vinicios Vilaça, acabam de publicar pela Cosacnaif. A eles, assim como aos seus entes queridos, faço destas linhas uma mensagem de bem querer e solidariedade. 

Que, a bem dizer, o acadêmico Alberto da Costa e Silva já o fez por todos, no prefácio, no qual, depois de traçar um perfil do artista Marcantonio e de descrever, com as mais vivas cores do afeto, a relação de amizade entre os dois, sentencia, de forma inquestionável: “Todo filho é único. Único. Insubstituível. Por isso, quando se têm vários e um deles se vai, não se perde um filho, mas o filho. O único. O insubstituível. Cuja ausência se veste de uma saudade que machuca mais do que conforta”. 

O livro reúne cartas – a primeira delas lida na missa de sétimo dia, no Recife, em janeiro de 2000 -, e textos rememorativos publicados na imprensa de Pernambuco e do Rio de Janeiro, permeados por um retrospecto da trajetória e das homenagens prestadas a Marcantonio, sejam com o seu nome em escolas da Amazônia, em sessão na Câmara dos Deputados, no Prêmio CNI, SESI, SENAI para as artes plásticas, ou num poema do nosso Carlos Nejar. Tanto quanto sobre o seu legado de artista plástico e marchand - um dos maiores colecionadores de arte contemporânea brasileira, doador de diversas obras de sua coleção para museus em todo o mundo. E que, pelo seu empenho na divulgação da produção nacional, fortaleceu a imagem do Brasil internacionalmente. 

Tudo a compor, ressalve-se, uma antologia de crônicas cadenciadas por uma prosa poética cuja beleza toca fundo no coração do leitor. A saudade desses pais os leva a buscar compreensão, apoio – mais do que consolo, talvez -, em textos memoráveis sobre a dor, a vida, a morte. E aqui está um outro interesse de que o livro de Maria do Carmo e Marcos Vilaça se reveste: o de um itinerário de leituras. De São João da Cruz a Manuel Bandeira, de Joaquim Nabuco a José Sarney. E Euclides da Cunha, Abgar Renault, Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Rachel de Queiróz, Fernando Sabino, Álvaro Moreyra, Adélia Prado, Walter Benjamin, Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Pablo Neruda, Gilberto Amado, Carlos Fuentes. 

Para terminar, uma citação de Machado de Assis, pinçada em meio a tantas outras igualmente antológicas: 

“O louvor dos mortos é um modo de orar por eles”.

Jornal do Commercio (RJ), 19/10/2015