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Visão autoritária

 

O governo, depois de dizer que o Tribunal de Contas da União (TCU) politizou o debate sobre as contas da presidente Dilma de 2014, resolveu agora politizar a votação no Congresso do parecer técnico que as impugnou, retirando a importância que até ontem dava a ele para dizer que o documento é um simples aconselhamento, o que é verdade.

O parecer, no entanto, revela, com base em estudo de equipe técnica considerada de primeiro nível, cenário de “desgovernança fiscal”, como classificado pelo ministro-relator Augusto Nardes.  O governador do Rio, Luis Fernando Pezão, correu em defesa da presidente dizendo que em sua vida pública já viu muitas contas serem rejeitadas pelos Tribunais de Contas e depois aprovadas pelo Legislativo.

Não duvido, mas quero crer que os casos citados por Pezão refletem muito mais os desajustes dos Legislativos do que o acerto das contas recusadas, e, espero, representem uma política que já teve sua predominância nos Estados e Municípios e deveria ter sido superada pela modernidade dos conceitos de boa governança que foram colocados como parâmetro depois da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal.  

Em seu voto, Nardes defendeu que houve uma política expansiva de gastos "sem sustentabilidade fiscal e sem a devida transparência". Para o relator, as operações passaram ao largo das ferramentas de execução orçamentária e financeira instituídas. "Nessa esteira, entende-se que os atos foram praticados de forma a evidenciar uma situação fiscal incompatível com a realidade”, afirmou.

“Fica evidenciado que diversos procedimentos adotados ao longo do exercício de 2014 afrontaram de forma significativa, além dos artigos específicos delineados em cada um dos indícios, princípios objetivos e comportamentos preconizados pela Lei de Responsabilidade Fiscal, caracterizando, dentro de análise técnica, cenário de desgovernança fiscal”, defendeu Nardes.

 E tudo isso num ano eleitoral, em que a incumbente fez “o diabo” em termos fiscais para garantir um ambiente econômico que não prejudicasse sua candidatura à reeleição. Portanto, tratar as “pedaladas” como situações normais de um governo só pode indicar que quem as fez, ou as apóia, tem uma visão retrógrada do serviço público e quer retornar a uma época em que valia qualquer ação para manter o poder.

Como a famosa frase do então governador Orestes Quércia, que se regozijou: “Quebrei o Banespa, mas fiz meu sucessor”. Hoje já não existem mais os bancos estaduais que serviam de tesouro particular para os governadores enfrentarem as campanhas eleitorais, mas o governo usou os bancos estatais como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e o BNDES para voltar à prática antiga de financiar ações populistas sem lastro, criando uma situação fiscal fantasiosa.

Os técnicos do TCU identificaram “o não registro dos pagamentos das subvenções, a contratação de operações de crédito com inobservância de condições estabelecidas em lei, o não registro nas estatísticas fiscais de dívidas contraídas e a omissão das respectivas despesas primárias no cálculo do resultado fiscal” como medidas que criaram “a irreal condição para que se editasse decreto de contingenciamento em montante inferior ao necessário para o cumprimento das metas fiscais do exercício de 2014, permitindo, desse modo, a execução indevida de outras despesas”.

O que aconteceu em 2014 com mais ênfase, mas também em anos anteriores, foi a utilização de “uma política expansiva de gasto sem sustentabilidade fiscal e sem a devida transparência, posto que tais operações passaram ao largo das ferramentas de execução orçamentária e financeira regularmente instituídas”.

Segundo ressaltou o relator Augusto Nardes, além do descumprimento – generalizado e reiterado – da Lei de Responsabilidade Fiscal, “revelou-se o desprestígio que o Poder Executivo devotou ao Congresso Nacional, não somente ao adotar medidas ao arrepio da vigente Lei de Responsabilidade Fiscal, mas também ao promover, por exemplo, a abertura de créditos suplementares sem prévia autorização legislativa, desmerecendo o papel preponderante que exerce o Poder Legislativo no harmônico concerto entre os Poderes da República, princípio fundamental da Nação, e descumprindo mandamento expresso da atual Constituição da República”.

Trata-se, portanto, não de questão trivial sobre receitas e despesas governamentais, mas de uma visão de Estado autoritária, nada republicana, que desdenha a transparência fiscal e a necessidade de o governante prestar contas de suas decisões e atitudes. Um crime de responsabilidade perfeitamente caracterizado, que pode levar a um processo de impeachment.

O Globo, 09/10/2015