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Um dia de agosto

 

Se as manifestações de domingo passado, com seus 800 mil participantes, não atingiram a dimensão esperada, apesar de serem contra um governo que é rejeitado pela maioria da opinião pública, o que dizer dos 190 mil dos “protestos de apoio” a Dilma, uma contradição em termos de um ato organizado por cerca de 20 grupos mais ou menos rachados — todos defendendo a presidente, mas vários condenando sua política trabalhista e de ajuste fiscal neoliberal. Uns pedindo “fora Levy” e outros, “fora Cunha”, um dos alvos principais dos manifestantes. Curiosamente, a palavra “corrupção” não apareceu em nenhum dos cartazes desfilados nas ruas, como se ela não tivesse sido a mais presente personagem da política dos últimos anos. Parecia passeata da Suécia. Em compensação, no Rio, surgiu a faixa mais original, com a seguinte “denúncia”: “Sérgio Moro: juiz da Globo e do PSDB!”. Mas pelo menos o movimento foi pacífico. Mesmo o presidente da CUT, Vagner Freitas, que na semana passada sugeria “pegar em armas” para defender Dilma, portou-se com serenidade, propondo apenas acabar com o “terceiro turno” — ao que parece, sem armas.

Enquanto isso, nesse dia do tão mal afamado mês de agosto, o presidente da Câmara era denunciado ao Supremo Tribunal Federal, pela Procuradoria-Geral da República, junto com o senador Fernando Collor, por terem cometido crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A Procuradoria quer que Cunha devolva US$ 80 milhões — US$ 40 milhões como restituição de valores supostamente desviados e mais US$ 40 milhões por reparação de danos. Pela cotação atual, a quantia é estimada em R$ 277,36 milhões. Ao mesmo tempo, era revelado mais um trecho da delação do ex-consultor Júlio Camargo, de quem Cunha teria cobrado a propina de US$ 5 milhões por contratos de navios-sonda com a Petrobras. Quando soube da exigência, o senador Edison Lobão, ex-ministro de Minas e Energia, escandalizou-se, ele que também está sendo investigado pela Operação Lava-Jato (aliás, quem não está sendo?). Durante uma discussão por telefone com o presidente da Câmara, disse ele, de acordo com o relato do delator: “Eduardo, você enlouqueceu?” Isso sem estar vendo o olhar de Cunha, que lembra muito o de Collor. E essa não é a única semelhança com o ex-caçador de marajás.

Enfim, é como disse Dilma para sua convidada, a chanceler alemã Angela Merkel, segundo Chico Caruso numa de suas magistrais sínteses visuais-verbais sobre a confusão reinante: “Não repare a bagunça”.

O Globo, 22/08/2015