A mudança qualitativa dos protestos ocorridos em todo o país no domingo não se mede em números, mas em símbolos. O boneco inflável do ex-presidente Lula como presidiário que surgiu em Brasília e hoje está em todos os lugares do mundo graças à criatividade liberada pela internet, marca o fim de uma era, quebra um mito, faz a ligação direta entre a corrupção e o chefe do grupo, responsável, na visão popular, pelos esquemas corruptos, e por ter colocado Dilma no Palácio do Planalto.
Dez anos depois do mensalão, quando seu nome era impronunciável, Lula aparece aos olhos da multidão como aquele que tem o domínio do fato. Pela terceira vez em oito meses, multidões vão às ruas em todo o país para rejeitar o governo Dilma, o que não deveria ser banalizado pelo governo se ele estivesse atuando dentro da realidade.
Como Collor na ocasião de seu impeachment, a presidente Dilma parece estar em outra realidade. Aos olhos de Ulysses Guimarães falando sobre Collor, a reprovação das ruas vale mais que uma eleição, pois desse plebiscito saiu o repúdio da praça pública àquele que, embora eleito, perdeu a legitimidade.
A tese de Ulysses foi lembrada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que pediu um gesto de grandeza como a renúncia à presidente Dilma, ou ao menos um ato de contrição. Pois Ulysses também falou da renúncia no caso do Collor, em uma entrevista ao Jô Soares que o Jorge Bastos Moreno resgatou em seu blog, lembrando os casos de Getulio e Jânio Quadros.
Ulysses chegou a afirmar que a dimensão da praça pública “é maior do que na urna”. Collor morrera civicamente, decretou Ulysses, “morreu no respeito da nação e não acredita que morreu. É um fantasma”. Não é mais presidente, pontificou.
Pois os petistas que hoje falam em golpe contra Dilma e alegam que 800 mil pessoas na rua não revogam 54 milhões de votos, naquela ocasião em que estavam na campanha para derrubar o então presidente Collor, não consideravam absurda a tese de Ulysses. E o próprio Lula, em declarações gravadas que circulam na internet para reavivar a memória dos mais esquecidos, disse que a maior lição dada pelo impeachment de Collor era que o povo enfim aprendera que os mesmos cidadãos que elegeram um presidente podem tirá-lo do poder.
O frágil apoio que o senador Renan Calheiros está dando à presidente Dilma, portanto, não deveria ser suficiente para que o governo petista se sentisse seguro, pois, como bem salientou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no comentário que postou no Facebook, os conchavos políticos não garantem a legitimidade do governo.
Muito mais por que Renan, assim como Cunha, representa o que há de mais nocivo no fazer política do PMDB, a possibilidade sempre presente de uma traição. Enquanto interesses comuns os unem, Dilma e Renan caminharão juntos, mas, como gostam de dizer os peemedebistas, só até a beira do túmulo, pois ninguém cai na sepultura abraçado ao morto.
Depois das manifestações que chegaram até à porta da família Calheiros em Maceió, o presidente do Congresso deve estar menos à vontade na posição de garantidor do governo do que antes. Mas se os acordos de bastidores estão dando gás à presidente, as ruas continuam enviando suas mensagens.
Bastará um gesto desabusado por parte de Renan, como sentar em cima da análise das contas da presidente Dilma caso o Tribunal de Contas da União (TCU) eventualmente as rejeite - o que agora ficou mais provável, pois a responsabilidade final está nas mãos do presidente do Congresso - para que a indignação latente volte a se manifestar pelo país.