Um dos sinais da riqueza em dinheiro sujo é a mudança de escala de nossa corrupção endêmica, que pulou de milhões para bilhões
Se não servir para promover de uma vez por todas a limpeza moral do ambiente político-empresarial, a Operação Lava-Jato terá servido pelo menos para revelar como o país é rico, principalmente em dinheiro sujo, apesar de ter sido considerado pobre e subdesenvolvido por muitos anos. Um dos sinais dessa situação é a mudança de escala de nossa corrupção endêmica, que pulou de milhões para bilhões. Daí o procurador da República Deltan Dallagnol, especialista em crimes financeiros e coordenador da força-tarefa do juiz Sérgio Moro, dizer que não vivemos apenas um momento histórico. “Nós também vivemos um período de cifras históricas”. Por um lado, elas são uma tragédia porque foram retiradas da educação, saúde, segurança, e representam, segundo ele, um valor desviado dos cofres públicos “jamais vistos antes”. Por outro lado, essas cifras trazem “uma esperança”, porque também nunca houve uma recuperação tão grande de dinheiro roubado.
A Lava-Jato estava então na sua 16ª fase, e o Ministério Público já tinha pedido, a título de multas e ressarcimentos, R$ 4,4 bilhões. Só a Petrobras sofreu um prejuízo de R$ 21,6 bilhões, dos quais R$ 6 bilhões por conta das propinas. E calcula-se que só 30% do que ocorreu na companhia foram investigados.
As propinas ou pixulecos (o apelido foi citados pelo empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC e delator) se banalizaram de tal maneira que, ao começar mais uma etapa na quinta feira passada, a Lava-Jato descobriu e prendeu um ex-vereador petista da cidade de Americana como operador de um esquema de arrecadação ilícita envolvendo R$ 40 milhões. Para os procuradores, era um político inexpressivo, mas audacioso, porque continuava agindo um ano depois do início da operação.
Para demonstrar o quanto o país sofre com os altos índices de corrupção, Dallagnol citou um estudo da ONU revelando que os bilhões de reais desviados do país por ano permitiria multiplicar por três os investimentos federais em educação ou saúde ou, ainda, multiplicar por cinco tudo o que se investe em segurança. Seria possível, assim, com esse rombo, resgatar da miséria os dez milhões de brasileiros que não conseguem comprar os alimentos necessários para sobreviver.
Roubar dinheiro público não é novidade no Brasil. Nos anos 90, o escritor Antonio Callado, autor de “Quarup”, me dizia numa entrevista: “O Brasil não anda pra frente porque aqui se roubam as rodas do carro”. A novidade é ser punido e ter que devolver o que se roubou. Outro Antonio, o Padre Antonio Vieira, já pregava em 1655, no “Sermão do bom ladrão”, que “o pecado não se perdoa sem se restituir o roubado”.