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A vez da CPI

 

A advogada Beatriz Catta Preta acabou validando sua convocação pela CPI da Petrobras com as acusações que fez a seus membros. Ela agora tem a obrigação de depor, não para dizer quanto ganha ou de onde vem o dinheiro que paga seus honorários, mas para detalhar as ameaças que diz ter recebido. Seu silêncio na CPI agora jogará contra ela.

Teriam sido ameaças tão fortes, apesar de veladas, que a fizeram abandonar a carreira, o que transforma sua acusação em dado fundamental para que se investiguem os procedimentos da CPI, suas intenções e motivações.

É certo que o estilo de fazer política do deputado Eduardo Cunha impõe o medo mesmo entre os que o apoiam, mas à medida que fica estabelecido que ele se utiliza de sua posição de presidente da Câmara para trabalhar em proveito de seus interesses, não apenas políticos, cresce no plenário a sensação de que Cunha tem que ser contido, independentemente de sua posição política, que hoje é de oposição ao governo.

Mesmo a oposição formal, liderada pelo PSDB, já não se interessa mais em uma aproximação com Cunha, pois ele se transformou em um livre atirador que privilegia interesses próprios. O líder do PSOL, deputado Chico Alencar, anuncia que há uma articulação “para desvendar mais esta acusação gravíssima contra Cunha e a CPI de sua blindagem”, inclusive com relação à utilização indevida dos serviços da agência de investigação Kroll - remunerada pelos cofres públicos.

“Vamos propor, junto com a OAB Nacional, que absolutamente tudo seja investigado”, referindo-se tanto às “ameaças veladas, cifradas” quanto aos temores sobre os defensores, que tentam transformar em investigados. Alencar apresentará um requerimento à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, da qual é titular, para uma audiência pública neste sentido.

“Um Parlamento sob suspeita de ter membros que compõem 'uma gangue', que agem na base de ameaças, chegou ao fundo do poço!  Qualquer dos seus integrantes que não reaja a isso, exigindo apuração plena do que foi afirmado por Catta Preta e Camargo, estará sendo cúmplice da sua desmoralização total”.

A reunião do colégio de líderes, na próxima 3ª, será um bom termômetro para ver como cada bancada está se posicionando sobre a crise que também abala o Legislativo.

Outra indicação de que começa a haver um movimento contra o autoritarismo de Cunha é a reação de Jarbas Vasconcellos, que se recusou a ser candidato contra Cunha a convite da oposição, para não ser um dissidente logo no início da legislatura, e hoje já se transforma em um dos líderes contra a permanência de seu colega do PMDB à frente da Câmara.

As acusações contra Cunha podem levar ao afastamento da presidência da Câmara, independente da provável denúncia do Procurador-Geral da República Rodrigo Janot. O crime de ameaça previsto no artigo 147, caput, do Código Penal, é de ação penal de iniciativa pública condicionada, isto é, o ofendido tem de representar junto à Polícia ou ao Ministério Público, na apuração do crime.  

As ameaças sofridas pela advogada Catta Preta podem configurar outro tipo penal, bem mais grave: o crime de coação no curso do processo, descrito no artigo 344, do Código Penal, nos seguintes termos, “Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral: Pena – reclusão, de 1(um) a 4 (quatro) anos”.

Este ilícito penal é de iniciativa pública incondicionada, devendo a Polícia Federal agir de ofício, instaurando um inquérito policial, conforme determina o artigo 5º, inciso I, do Código de Processo Penal.

Também a contratação da Kroll pela Câmara dos Deputados aparentemente viola os princípios da moralidade e impessoalidade, inscritos no artigo 37, caput, da Constituição da República.

Recursos públicos serão despendidos, não em prol do interesse público, mas dos interesses pessoais do Eduardo Cunha, uma retaliação aos colaboradores que o incriminaram, buscando-se desautorizar as colaborações premiadas.

O Ministério Público Federal pode, se assim entender, pleitear junto ao Poder Judiciário uma medida cautelar com o objetivo de impedir o contrato.

A advogada Beatriz Catta Preta certamente conhece cada uma das conseqüências jurídicas de suas alegações e denúncias, e mediu bem as palavras quando as fez diante das câmeras do Jornal Nacional.

O Globo, 01/08/2015